Num mundo em correria, de likes e shares, onde mal temos tempo para respirar, como podemos medir a nossa qualidade de vida?
Como conseguimos saber se temos uma boa vida?
São duas perguntas pertinentes e que não são exclusivas destes tempos, para simplificar a questão, vou-me cingir a uma só percepção, no fundo, unindo as duas perguntas numa só:
Conseguimos qualitativamente viver uma boa vida?
De certa forma, classificar o nível de qualidade de vida num mundo que vive a contrarrelógio, onde o tempo se tornou um inimigo público, e os melhores aliados da sociedade se tornaram os produtos provenientes da Revolução Industrial (a revolução tecnológica), é uma tarefa Dantesca.
No plano individual, opina-se quase livremente acerca da qualidade de vida de terceiros, seja por conhecimento directo ou por meio dos “gadgets” e dos perfis nas redes sociais (a vida virtual, muitas vezes imaginária e onde é possível se manipular a realidade). Numa recente “mesa-redonda”, abordou-se a questão, não propriamente a qualidade de vida ou a vida boa actual, mas vários indicadores sociais, que de certa forma, ajudam a perceber como estamos em relação aos índices de qualidade de vida. E os indicadores individuais expandem-se na sociedade de forma geral e aleatória, nem todos agem da mesma forma, nem todos possuem os mesmos valores qualitativos de vida.
Pelo que, se torna pouco eficiente, para não dizer inútil, utilizar uma escala para medirmos a nossa qualidade de vida em termos individuais, primeiro porque a qualidade de vida vai do 8 ao 80, não é igual para todos, para uns será 8 (ter saúde) e para outros 80 (saúde, casa própria, carro, dinheiro, fama etc), e pelo meio ficam 72 níveis diferentes. Podemos usar a estatística para obter um meio termo, mas um meio termo não é a realidade nem do 8 nem do 80, mas é a realidade do 36 e do que neles se enquadram.
No entanto, é relativamente mais fácil proporcionar qualidade de vida à sociedade como um todo e definir os parâmetros dessa mesma qualidade na sociedade. É exequível, simples (mas complexo) e na realidade não obedece a nenhuma escala individual especifica.
A qualidade de vida de uma sociedade como um todo, está intrinsecamente ligada às estruturas existentes, a sua fiabilidade, serviço prestado, funcionamento, nomeadamente serviços de saúde, de justiça, de tributação, a própria forma de governo, são estes institutos de onde se espera obter acompanhamento médico universal, justiça sem corrupção, tributação justa e adequada e um governo (ou forma de governo) isento, capaz e de mérito. Quem considerar o actual estado destas instituições como suficientes para proporcionar qualidade de vida, muito bem, no meu caso considero-a muito mal (não tenho médico de família há 5 anos, como exemplo).
Em termos societários, podemos afirmar que vivemos relativamente uma boa vida e não precisamos de nos comparar como sociedade com outras congéneres, é um erro, diferentes realidades, produzem diferentes resultados.
A qualidade de vida ou a vida boa, tem ao longo das faixas etárias diversos parâmetros e, ao longo da vida, esses parâmetros vão sendo por ordem natural modificados. Enquanto estudava, media a minha “qualidade de vida” (vida boa) pela irresponsabilidade das minhas acções (a boémia), a liberdade de não possuir responsabilidades financeiras e os estudos que eram a pena transitada em julgado, definindo o preço da minha qualidade de vida. A qualidade de vida, ou uma vida com qualidade tem um preço.
O problema é que contrariamente ao Peter Pan, o adolescente que refutou a responsabilidade de crescer, tornando-se numa criança para todo o sempre, lutando contra as responsabilidades que a vida adulta impõe, nós todos crescemos e os parâmetros que se estabelecem como indicadores da qualidade de vida mudam, crescem, intensificam-se e alteram a percepção da tal vida boa.
A qualidade de vida a que nos sujeitamos
Existe uma máxima, que por norma não se aplica neste campo, mas que nada nos impede de transferir a mesma e de certa forma a aplicarmos neste âmbito – a qualidade de vida que possuímos é proporcional ao custo que queremos despender –, sendo que a qualidade de vida se mede na escala do 8 ou 80 e o custo se mede no esforço que nos dispomos a executar.
Para nos inteirarmos da qualidade de vida que nos rodeia, é necessário o escrutínio das realidades que no momento dispomos, fazendo uma breve analogia com o passado recente. Se nos compararmos (em termos societários) ao século passado, podemos transportar para o presente algumas melhorias, no entanto, e fruto do progresso (humano e tecnológico) carreamos também algumas perdas qualitativas.
Resta saber, no final das contas, se os ganhos qualitativos superam as perdas que se adquiriram.
Nasci na segunda metade do séc. XX, numa aldeia no litoral centro do país, só o meu pai e o meu avô trabalhavam. O meu pai era funcionário privado, o meu avô funcionário do Estado, a casa (tanto a dos meus pais como a dos meus avós) eram próprias e foram adquiridas sem recurso a crédito. Os meus pais adquiriram a sua casa eu já tinha nascido, tínhamos de renda 3 parcelas de terreno agrícola (duas de campo e uma pequena vinha). Os meus irmãos nasceram (somos 3) e a vida não mudou.
Agora, que ganhos obtive eu e que perdas tenho de suportar, comparativamente aos meus pais? Quanto me custa para ter uma boa vida? E os meus filhos, será que consideram hoje ter uma vida boa?
Não vou responder na totalidade a estas perguntas, são um reflexão individual e nem todos (nem é sequer suposto todos reflectirem e obterem o mesmo resultado) irão chegar à mesma opinião, mas posso afirmar do facto o seguinte: a qualidade que hoje usufruo da minha vida, custou-me tempo fora de casa, tempo longe dos meus filhos e da minha mulher, dos meus familiares, férias que parece que terminam antes de começar. Isto num plano próprio, individual e egoísta, se assim o quiserem entender. O custo foi enorme e só poderei aferir o resultado na próxima fase da vida.
Não considero qualidade de vida os bens que possuo, o carro e a casa, ou o dinheiro para as férias, porque são utilidades diárias. Tal como uma camisa, são acessórios destinados ao uso quotidiano e dentro dos seus próprios limites e não os menosprezo, simplesmente são o segundo plano.
Na realidade, sinto alguma nostalgia daquele tempo em casa dos meus pais, em que qualidade de vida era jantarmos todos juntos e sem telemóveis, os serões de convívio, os fins-de-semana no campo para comer ou a passear (conheci o meu país com os meus pais), as férias que não pareciam ter fim e a vida vivida dia após dia, longe da correria actual a que nos obrigamos, da vida para viver amanha, que teima em não chegar, dos desencontros dentro de casa, do quadro no corredor com os horários mensais de toda gente.
Vivo uma vida “pacata”, longe dos parâmetros actuais de vida boa. Sou um 36. No entanto, com uma tendência para a descida na régua, dado o facto que a qualidade dos serviços societários se degrada a um ritmo preocupante e a qualidade de vida, mesmo não sendo uma vida boa, se torna paulatinamente mais dispendiosa.
Contudo, no fundo da questão, importa perceber do que se trata “qualidade de vida” ou “boa vida”, no plano individual e societário, o que queremos como indivíduos e como sociedade.
Talvez descubramos que até temos uma vida boa e não nos apercebamos desse facto, ou que uma simples alteração no quotidiano, seja suficiente para alcançarmos uma melhor qualidade de vida.
Deixar de fumar iria por certo elevar a minha qualidade de vida, mas é um acto do quotidiano ao qual não vou fazer alterações (pelo menos para já), a qualidade de vida pode ser uma opção, compete a cada um aferir o grau e a escala que pretende. Não é igual para todos.