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A pressão pelo sucesso escolar

“Aproveita enquanto a tua única responsabilidade é estudar, filho!” ou “Quando fores adulto, vais desejar ser criança de novo”, são frases típicas que as nossas mães dizem, quando somos pequenos. De facto, a infância é a época da vida em que nós estamos mais preocupados em fazer amizades e descobertas, enquanto desenvolvemos competências motoras, cognitivas e sociais importantes para a vida adulta. O incentivo para o estudo e a aprendizagem formal na escola são processos fundamentais nessa etapa de desenvolvimento.

Pais e encarregados de educação depositam esperanças que os seus filhos sejam bons alunos e se esforçam por lhes oferecerem condições para terem sucesso na vida adulta. Contudo, também existe a cobrança pela disciplina de fazer os trabalhos de casa e obter boas notas nos exames. A questão é saber até onde é saudável que os pais acompanhem o trajecto escolar dos filhos, e em que ponto a pressão para que estudem começa a atrapalhar em vez de ajudar os miúdos. Escola, família e sociedade pregam a mensagem de que só se sai bem na vida aquele que estuda muito e se esforça. É uma mensagem nobre, mas… toda essa insistência dá resultado?

Estudei no ensino público português nos dois últimos anos do secundário. Nessa época, já observava que o foco dos planos de aula era não só a aprendizagem, mas a preparação para os temidos Exames Nacionais de junho, cujos resultados compuseram parte da nota de candidatura ao Ensino Superior. Para mim, era uma época de adaptação ao método pedagógico de um país estrangeiro, mas já aí vivi uma certa pressão acima do normal para obter boas notas, pois elas eram indispensáveis para entrar numa boa universidade. Eu tentava não me deixar levar na correnteza, mas observava que os meus colegas mais bem sucedidos só lhes faltava terem um ataque por cada 12 ou 13 que lhes aparecia na pauta das notas.

Costumo brincar que as coisas (boas e más) que acontecem em Portugal acontecem no Brasil multiplicadas por vinte. Em terras tupiniquins, a pressão pelo sucesso académico é ainda mais forte, pois a concorrência é enorme. Com a precariedade abjecta do ensino público, os alunos são incentivados a entrar em escolas privadas, que oferecem melhores infraestruturas. Desde o início do 10º ano, os alunos recebem um ensino cujo propósito é prepará-los para o ENEM, o Exame Nacional do Ensino Médio, realizado no fim do secundário. O dia a dia de um aluno nesta etapa da vida resume-se a aulas, revisões e trabalhos para casa, que consistem na prática de questões de múltipla escolha no modelo dos exames, até à exaustão.

Já há vozes que se levantam em defesa de mais tempo livre. Em novembro do ano passado, em Espanha, a Confederação de Associações de Mães e Pais de Estudantes convocou um boicote aos trabalhos de casa por considerar inaceitável a carga de trabalhos exigidos às crianças, que ficam forçadas a abrir mão do tempo de convivência com a família. A reclamação não é de hoje, e há dados que o comprovam. Espanha é um dos países da OCDE que está acima da média de horas semanais dedicadas aos TPCs, com 6,5 horas, mais do que as 4,9 h de média dos 38 países da organização, segundo um estudo de 2012.

Se na Europa, a pressão pelos estudos e as cargas horárias dedicadas à escola já causam debates, em países asiáticos, a realidade é outra: para nós ocidentais, parece que Japão, China e Coreia do Sul têm todos casos tórridos de amor com o estresse estudantil. Lógico, não é à toa que os sistemas educacionais asiáticos são tidos como referência mundial, dada a excelência e consistência dos resultados dos alunos em testes internacionais. Porém, as crianças lidam com expectativas altas que começam desde o 1º ciclo, muito por iniciativa dos próprios pais. Há quem não suporte a pressão extrema e decida por dar fim à própria vida, o que ajuda a explicar a realidade das altas taxas de suicídios juvenis nesses países.

A pressão familiar e da sociedade por bons desempenhos e o ambiente de competitividade que daí resulta já estão a ter consequências preocupantes. As crianças são expostas cada vez mais cedo a situações de ansiedade e um dos pretextos que o “justificam” é o  de preparar os jovens para as demandas da vida adulta. O medo de ser rejeitado socialmente por não ter boas notas leva os jovens a colocarem pressão adicional em si mesmos, contudo, isso apenas contribui para que desenvolvam problemas de ansiedade, episódios depressivos e doenças psicológicas. Diante dessa realidade, talvez toda essa “preparação” não esteja a trazer bons frutos.

O ambiente de exigência por bom desempenho alia-se a um modelo de ensino conteudista e muito voltado para os testes. Os professores geralmente debitam informações aos alunos para que eles as memorizem, apliquem num teste e depois, certamente, esqueçam o que “aprenderam”. Esse modelo não ajuda em nada para que eles realmente adquiram conhecimento útil. O que é mais útil para um adulto hoje em dia: aprender quantos foram os reis de Portugal e o período em que reinaram ou aprender como e desenvolver novos métodos de tratamento? Fica a impressão de que pais e docentes ainda se agarram a métodos de medição de desempenho que, embora possam ter funcionado noutros tempos, são completamente defasados da realidade mais complexa e diversificada que caracteriza os tempos actuais.

Num mundo contemporâneo em que ter um diploma universitário já há muito que deixou de ser garantia de um bom emprego, é preciso abandonar a visão tradicionalista e linear de progressão pelas séries do secundário e acesso ao Ensino Superior como caminho para o sucesso. Não é só com notas, testes e métodos de selecção dos melhores que deve ser medido o desempenho da generalidade dos alunos. Torna-se necessário que as escolas proporcionem ambientes mais lúdicos e de alívio do stress, providenciem apoio psicológico e encontrem novas formas de despertar o desejo pela aprendizagem nos alunos e instigá-los a buscarem o conhecimento de forma mais proactiva. Dessa maneira, os bons resultados deixariam de ser um fim em si mesmos, mas tornar-se-iam uma consequência da aprendizagem.

Os pais e encarregados de educação também têm um papel crucial neste processo. O desejo de que os filhos sejam mais bem-sucedidos do que os pais foram é natural, mas a forma de lidar com esse desejo é importantíssima. Mais do que exigir dos seus filhos resultados académicos excelentes e castigá-los caso não os consigam, os pais devem fornecer o suporte necessário para um desenvolvimento cognitivo, social e psicológico adequado dos seus filhos. Claro, o estímulo do senso de disciplina e a expectativa de bons desempenhos devem estar presentes. Contudo, é preciso levar em consideração que nem todas as crianças aprendem da mesma forma e que crianças com a mente relaxada aprendem mais e são mais capazes de encontrar gosto por aquilo que estudam.

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