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A porra do amor bate tão forte

Mais uma vez fomos passar a tarde no jardim, aquele com uma esplanada e um lago. Era costume fazermos este programa que, além de interessante, era educativo. Interessante, porque estarmos juntos era sempre bom e tentávamos que nunca se instalasse a rotina (nisso eras um mestre) e educativo, porque líamos, estudávamos e aproveitávamos o tempo ao máximo. Criávamos histórias sobre as pessoas e ríamos muito dos nossos devaneios.

Eu sempre fui mais imaginativa, talvez porque andasse sempre muito mais rápido do que o tempo real e, além de criar as personagens enredava-lhes a vida e os pensamentos. Era um exercício que me desafiava e deliciava. Felizmente que as pessoas nunca descobriram o que inventava sobre elas, o que seria, no mínimo, desolador e no máximo, catastrófico. Momentos hilariantes onde tudo era possível e os filmes eram rodados a grande velocidade. As novelas da vida real não tinham interesse nenhum, as fictícias sim, eram apelativas.

Naquela altura, eu pensava que seria uma advogada cheia de poderosas e enormes coragens galopantes e iria defender casos difíceis, como lhes chamava. Daqueles que todos diriam que estavam nas causas perdidas. Eu seria a mulher de ferro que enfrentaria tudo e todos sem medos nem receio de represálias. Como sonhava alto e pensava que se tornaria real. Fazia parte da tenra idade e do estado de espírito.

Estávamos a ler o mesmo livro e discutíamos, ou melhor, trocávamos pontos de vista sobre ele. É curioso o modo como interpretamos o que está escrito. É algo muito pessoal e, apesar das letras e das palavras serem as mesmas, conseguíamos analisar e ver de modos díspares. Russel sempre foi um dos meus preferidos, porque implicava felicidade, uma palavra que me era muito querida e próxima.

Eu defendia uma visão e tu, como é óbvio, defendias outra. Os nossos argumentos eram fortes e bem fundamentados, mas nenhum deles fez demover a opinião do outro. Era assim que funcionávamos e penso que nunca iria mudar. As razões do coração não são as razões da razão. Isso nunca impediu que continuássemos juntos e de bem um com o outro.

A memória pode-me falhar, mas estava um dia bem quente, com o sol muito radioso e a esplanada estava cheia. No lago, os barcos navegavam por mãos sábias no espaço circundante. Havia uma pequena ponte, um ancoradouro e tudo parecia saído de um conto de fadas. Eu gostava mesmo muito daquele sítio. Relaxava-me e divertia-me. Insistíamos em voltar. Muitas vezes.

Nas mesas ao lado, estavam vários grupos onde havia sempre um que se gabava de ter feito algo de extraordinário. Era sempre um rapaz alto e as raparigas olhavam-no com verdadeira admiração. Outras, mais escorreitas, percebiam a fanfarronice e riam de tanta estupidez que ouviam. Eles, de tanto se gabarem, nem percebiam que estavam a ser gozados.

Olhei para o lago. O sol batia na água e fazia um espelho tão brilhante que até feria a vista. Por momentos deixei de ver em condições tal era a intensidade. Um fenómeno natural, mas que entendi como um sinal. Senti uma sensação de tranquilidade e de infinitude, uma enorme paz interior que me aqueceu a alma e a adoçou. Um momento guardado para sempre.

Subitamente fui acordada do meu voo interior quando tu, muito rapidamente, saltaste o muro para o lago e mergulhaste. Um homem tinha caído de um barco e estava de bruços prestes a afogar-se. Foi tudo tão brusco que nem tive tempo de me aperceber do sucedido. Tu, homem de acção, estavas atento e nada te escapava. Se não tivesse sido a tua pronta intervenção nem sei o que teria acontecido.

Saíste do lago com o homem que te agradeceu vezes infinitas. A sua vida esteve em risco, mas tu, meu herói, qual cavaleiro andante com o seu fiel cavalo, surgiste no momento certo e uma vida preciosa foi salva. Não hesitaste nem um momento. Estavas no sítio certo à hora certa e como ser humano íntegro e completo tomaste a atitude correcta.

Foi um momento inesquecível para mim. Sei que essa imagem nunca mais sairá da minha cabeça, aquele instante em que percebi que eras o amor da minha vida, o homem a quem eu estaria para sempre ligada. Eras perfeito e não te gabavas, como o palerma da outra mesa. Não consegui tirar os olhos de ti. Estava como que enfeitiçada e nem me importava nada.

Quem me dera voltar atrás no tempo para regressar a esse dia, a esse momento maravilhoso para te poder encher de beijos, de abraços, para te dizer que eras único, o único, o meu grande amor, o homem da minha vida e nunca me cansar de o dizer. As tuas palavras singelas naquele momento crucial foram melodias que nunca esquecerei, assim como a ti: fiz o que era preciso.

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Estômago aconchegado, memórias adocicadas

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