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A morte como sinónimo da vida em Mali

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No início do ano 2013, o Movimento Nacional de Libertação de Azawad (MNLA) reivindicou, em revolução armada, a separação da região de Azawad, no norte do Mali. Hoje, Mali é um dos “lembretes trágicos dos desafios que persistem na luta para proteger as populações de actos de atrocidade, nomeadamente genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade”, como afirma o Assessor Especial para a Prevenção do Genocídio do Secretário-Geral da ONU, Adama Dieng.

mali.capa liberationA antiga colónia francesa sofreu, em Março de 2012, um golpe de estado, quando uma rebelião separatista da etnia tuaregue levou à deposição do presidente eleito. Os tuaregues, seguidores do Islão misturado com tradições locais, chegaram a dominar parte do norte do país. Mais tarde, “grupos ligados à rede terrorista Al Qaeda iniciaram um levante, após um golpe de Estado que derrubou o governo local. Eles conquistaram a região norte do país, localizada no meio do deserto do Sahara e ameaçavam chegar à capital, Bamako”, diz o jornalista José Renato Salatiel, no Jornal Rascunho. Depois de expulsarem os tuaregues, os grupos islâmicos radicais ligados à Al-Qaeda impuseram o rígido código da Sharia (lei Islâmica) naquela região. O grupo Ansar Dine (“Defensores da Fé”) esteve, desde então, por trás de execuções públicas e amputações, o que fez crescer o número de refugiados. Em Novembro, a União Africana pediu à Organização das Nações Unidas (ONU) que endossasse acções militares para libertar o norte do Mali, finalmente aprovadas pelo Conselho de Segurança, em 20 de Dezembro de 2012.

Segundo a Organização Coordenadora da Aliança Internacional pelo Fim do Genocídio, “depois do Kadafi ser derrubado em Outubro de 2011, os tuaregues voltaram para o Mali com armas pesadas e munições”. Fundaram o Movimento Nacional para a Libertação de Azawad (MNLA), que tem como objectivo estabelecer um estado independente para o povo Tuaregue, na região do Sahel. Em Janeiro de 2012, observamos a primeira rebelião em que se fala abertamente de independência, explica o historiador especialista, Pierre Boilley. “Essa não concerne exclusivamente aos Tuaregue, mas também a outras populações e o território reivindicado, o Azawad, é sempre anunciado como um território que abriga povos Tuaregue, Mouros, Songhai, Peul e Bozo. No entanto, é verdade que os Tuaregue são maioritários nessa rebelião”, acrescenta Boilley. Em Abril de 2012, o MNLA declarou a independência da região de Azawad, mas nenhum país reconheceu este acto de independência. O novo presidente reage perante a situação e põe a hipótese de travar uma guerra para recuperar a integridade territorial do Mali, enquanto isso, foram-se iniciando negociações entre o MNLA e o governo do Mali.

mali.capas dos jornaisA situação agravou-se e, apesar do Conselho de Segurança da ONU ter autorizado, no dia 20 de Dezembro de 2012, o envio da Missão de Suporte Internacional Liderada pela África no Mali, a ajuda não era suficiente. Desta forma, a conquista da cidade de Konna por rebeldes islâmicos, em Janeiro de 2013, levou o presidente transitório, Dioncounda Traoré, a solicitar apoio militar a França. “A França iniciou no dia 11 de Janeiro uma intervenção militar no Mali, em África, para deter o avanço de rebeldes islâmicos, que já controlam parte do país africano”, diz José Renato Salatiel. Em Julho, a ONU avança oficialmente com a Missão das Nações Unidas de Estabilização Multidimensional Integrada no Mali (MINUSMA), incluindo uma força policial de 1,44 mil integrantes . “A resolução autoriza ‘a usar todos os meios necessários’ para realizar as tarefas de estabilização relacionadas com a segurança, protecção de civis, funcionários da ONU e bens culturais, bem como a criação de condições para a prestação de ajuda humanitária”, refere a Organização das Nações Unidas. No entanto, “mesmo com a ajuda humanitária, os países em guerra não se conseguem reconstruir. No final dos combates, a pouca infra-estrutura existente e os poucos serviços foram devastados, atrasando ainda mais o progresso económico. Teme-se que a guerra no Mali componha a mesma narrativa”, diz José Renato Salatiel.

Segundo o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR), António Guterres, os relatos de distúrbios e ataques de vingança contra tuaregues e árabes, bem como estradas fechadas, colocam desafios para que pessoas deslocadas voltem a casa. Além disso, “a escassez de comida, combustível e energia eléctrica, bem como a interrupção de serviços básicos como saúde e educação, também são mencionados por aquelas pessoas que actualmente preferem esperar antes de voltar para o norte”, refere António Guterres. O ACNUR revelou, ainda, a sua preocupação com a presença de minas antipessoais e artefactos explosivos não detonados, que ameaçam a população civil, já que os refugiados malineses continuam a fugir dos combates, ou por medo de represálias.

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O roteiro da guerra civil no Mali é o mesmo de todos os conflitos em África, nas últimas décadas: um país pobre sofre um golpe militar, que resulta em lutas sangrentas e com a população massacrada pela fome. O único elemento novo nesta trama é a actuação de radicais islâmicos, que assumiram o lugar das guerrilhas comunistas nos tempos da Guerra Fria”, afirma José Renato Salatiel. Os conflitos em África não são guerras entre países, mas conflitos internos, são batalhas pelo controlo do governo e a luta por autonomia de grupos étnicos. Genocídios, massacres, violações em massa, fome, destruição de fracções, exércitos compostos por crianças e extermínio de comunidades inteiras são sinónimos de um Mali nos tempos actuais.

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Marisa Mourão
Estudante de Ciências da Comunicação na Universidade do Minho. É apaixonada por uma boa história. Ainda é das que acredita que os media podem ajudar na construção de uma cidadania ativa.

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