A Justiça não é um Circo

Há uns anos, quando eu era ainda estudante de Direito, a Justiça optou por inverter a aplicação do Segredo de Justiça. Ou seja, antes desta mudança o Segredo de Justiça era aplicado automaticamente a qualquer Processo que desse entrada no Tribunal, ao invés do que sucede hoje em dia, onde, para tal suceder, tem de ser feito um Requerimento. A ideia dos apologistas de tal coisa era a de aproximar a Justiça dos Cidadãos.

Ora, nesta altura eu era claramente contra tal ideia. Isto, porque, ao contrário desta nova Geração de Juristas que estava a ganhar espaço no Direito português, eu tinha a perfeita noção de que tal abertura iria transformar a Justiça num enorme circo mediático, onde tudo se sabe, tudo se julga, tudo se critica e onde tudo é permitido.

E não é que uns anos mais tarde o tempo veio a dar-me razão?

Hoje em dia já é uma estratégia usar-se a Comunicação Social como arma para pressionar um qualquer Tribunal, ou Órgão Judicial, na sua decisão. A dita estratégia pode não ser bem-sucedida na sua intenção principal, mas tem sempre o efeito desejado de descredibilizar a Justiça, facto que ajuda e muito a quem discorda de uma decisão desfavorável. O caso do Meco é um bom exemplo disto mesmo, mas existem mais casos semelhantes a este. E existirão mais, muitos mais, se isto continuar a seguir este rumo desastroso e ruinoso para uma sociedade que se diz de Direito, onde, acima de tudo, prevalece sempre a presunção de inocência até prova em contrário.

É um facto que em Portugal o sistema Judicial não é perfeito. Existe ainda muita burocracia, taxas demasiado elevadas, Legislação a mais, Jurisprudência sem nexo, centralização excessiva (centralização esta promovida orgulhosamente pelo Executivo de Passos/Portas), falta de Profissionais de apoio nos Tribunais, fraca preparação dos demais intervenientes Judiciais, etc., etc. Porém, não será através de papel impresso, microfone e câmara e muito menos aplicando cortes nos salários dos Magistrados caso os Processos demorem tempo a mais nos Tribunais, como é pretensão da Sra. Ministra da Justiça, que se resolvem tais problemas.

Quer se queira, ou não e quer se goste, ou não, a Justiça precisa de tempo, espaço e sigilo para ser devidamente aplicada. É um facto com o qual todos temos a obrigação de conviver e aceitar para que possamos viver em paz na nossa sociedade. Para mais a aplicação da Justiça é algo muito complexo. Tão complexo que sempre que recebo um(a) cliente no meu escritório digo-lhe sempre que no Direito nem sempre é 2+2 = 4, porque tanto quem acusa, como quem defende tem Direitos que devem ser escrupulosamente respeitados sob pena de se entrar no sempre perigoso campo da (in)Justiça Popular.

Contudo, muitos me dirão: Nos EUA, a Comunicação Social está sempre presente nos Tribunais. Pois, mas há não muito tempo na terra de Obama era perfeitamente natural o linchamento de uma qualquer personagem que por A + B não agradasse à populaça. Bastava juntar um conjunto de indivíduos, encher de porrada o criminoso(a) e pendura-lo(a) pelo pescoço numa qualquer árvore. Perguntem aos afro-americanos o que achavam desta Justiça.

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