Audiodescrição da imagem de capa deste artigo: contra fundo preto, uma foto feita de cima. Nela, nove baldes de tinta abertos e enfileirados de três em três. Do balde situado no canto superior esquerdo àquele do canto inferior direito, as cores são: alaranjado, cor-de-rosa, ocre, azul-claro, amarelo, verde, roxo, vermelho e azul-escuro.
Em certa manhã de 2019, vagava pelo Facebook, quando o nome de uma página me chamou a atenção: Memes Acessíveis. Como sou pessoa com deficiência (sequela de Poliomielite), foi natural que eu me detivesse. No entanto, ao mesmo tempo em que dava os primeiros cliques eu pensava: qual o sentido de se afirmar que um meme é (ou não) acessível?
A resposta veio rapidamente: naquela página, voluntários e voluntárias faziam a audiodescrição dos memes, ou seja, descreviam as imagens em formato de texto para que os leitores de tela (recurso de acessibilidade) pudessem transmitir às pessoas cegas ou com baixa visão. Fiquei muito emocionado ao conhecer esse trabalho e a partir de então passei a participar da “cegosfera” (modo carinhoso de me referir à realidade das pessoas com deficiência visual) por meio da audiodescrição de memes e quadrinhos.
Atualmente, administro uma página e um grupo de WhatsApp com foco principal na arte de audiodescrever. É de suma importância esclarecer que, apesar dos cursos e leituras sobre o tema, é a consultoria de uma pessoa cega ou com baixa visão que valida (ou não) o trabalho e mais: promove a aprendizagem diária. No meu caso, a administração de página e grupo, bem como planos futuros de oficinas e debates, não seria possível sem a
parceria com Su Nascimento – mulher, professora, audiodescritora, consultora, cega total e sobretudo uma grande amiga, um presente da vida a quem deixo aqui minha homenagem.
O que provocou em mim o desejo de redigir este artigo é uma pergunta que aparece de modo recorrente: se as pessoas não enxergam, qual a finalidade da audiodescrição? Encaro como uma pergunta honesta e considero importante esclarecer.
Há pessoas que conservam a memória visual, há as que não têm mais lembranças das cores e há, ainda, quem nunca enxergou. Cada um desses grupos é tocado, no meu entender, de maneiras diferentes pelas informações a respeito das cores. Minha vivência apresenta, no entanto, um argumento comum a todos: quanto mais informações as pessoas tiverem, maior será o sentimento delas de pertencimento a um grupo em dado momento.
Algumas palavras têm sentido imediato: o sinal “verde”, o céu “preto” ou “claro”, a cara “vermelha”, a bandeira “branca”, por exemplo, têm seus significados simbólicos e auxiliam na compreensão de um texto (ou vídeo, ou conversa…).
Por fim, saber que um salão de festas tem centenas de balões no teto, e que são balões de várias cores; que há, sobre a mesa, um grande bolo branco; que a aniversariante traja um longo vestido vermelho que brilha; que o dia, lá flora, está claro; que fachos de luz amarelos, azuis e brancos percorrem todo o salão, permitem a maior imersão da pessoa no ambiente. Além disso, o fato de alguém ter o cuidado de fazer esses relatos contribui para a socialização e a qualidade relacional do ambiente.
No mais, realizar uma audiodescrição pode ser difícil e ao mesmo tempo, prazeroso e gratificante. Como você, leitor/leitora, descreveria, para quem nunca enxergou, um gol de bicicleta?