Há um tempo vi uma publicação que dizia algo como: “se os problemas online que vemos fossem resolvidos por duelos como antigamente, provavelmente o número pessoas ofendidas era bem menor”. A ideia é que hoje em dia ficamos mais ofendidos do que antes? Basta ler as secções de comentários de notícias, Twitter ou nas discussões animadas em qualquer publicação controversa e um rio de fúria desagua através dos teclados dos utilizadores.
O que é interessante de se verificar é que, por vezes até por um acento mal colocado, um erro ortográfico ou mesmo porque não se concorda com o que se está a ser dito, o grau de violência exibido é impressionante. Acredito que a existir uma escala de ofendidos, ali, certamente, encontraremos um conjunto de indivíduos que podem atingir o máximo da escala ou a ultrapassam.
Porque somos tão facilmente ofendidos? O que se passa para termos perdido a empatia? Porque tudo tem de ser perfeito?
Em cada publicação de autoajuda, o tema é sempre o mesmo: eu. “Eu” tenho de ser melhor, “eu” tenho de ser a melhor versão possível de mim mesmo (desculpem-me a redundância); eu tenho de mostrar ao mundo do que eu sou feito. Este discurso, verdadeiro na essência, mas tendente à frustração no longo prazo, vai-se diluindo pelas várias camadas discursivas na sociedade.
É aqui que entra o floco de neve. Cada indivíduo pensa ser único e especial, porém, é mais um entre muitos. O problema começa quando não se tolera a opinião oposta, independentemente de se tentar refutar as premissas de base, ou a cosmovisão dos outros ou, pior, que a discordância do Outro me quase significasse um ataque pessoal. Mais, tudo o que ultrapasse a minha opinião e cosmovisão é inaceitável, logo tem de ser exterminado.
A metáfora do floco de neve ajuda a demonstrar que, muito embora nos sintamos especiais e únicos, somos apenas mais um. Outros têm o mesmo sentimento e a mesma crença. Eu sou único, mas os outros com quem me cruzo também o são e as suas opiniões podem ser diametralmente opostas das minhas sem que com isso a minha existência seja prejudicada1.
Um dos conceitos-chave em antropologia é o relativismo cultural, que pressupõe a inexistência de uma hierarquia de culturas. Ou seja, cada cultura tem de ser avaliada no seu próprio contexto e não através dos valores da cultura de quem observa. O conceito oposto é o etnocentrismo, que se baseia na centralidade e alto posto hierárquico ocupado pela cultura a que se pertence. Por outras palavras: as outras culturas são avaliadas e ordenadas pelas crenças e valores da minha própria cultura. Por isso, ainda hoje falamos em países desenvolvidos e em desenvolvimento (com base nos parâmetros socioeconómicos dos países ocidentais) ou em povos primitivos (comparação com base nos avanços técnicos ocidentais).
Muitos destes princípios são apreendidos ainda durante o processo de socialização e a educação é um dos pilares fundamentais. Quem de mim discorda não coloca a minha existência em jogo, mas podemos dialogar e perceber realmente onde discordamos e como podemos chegar a um meio-
-termo. É porque temos várias perspetivas sobre um mesmo assunto que a ciência se desenvolveu e novas teorias foram testadas para resolver problemas ou explicar fenómenos.
A sociedade onde tudo é perfeito não permite que as contrariedades existam. É preciso ensinar que as contrariedades são saudáveis; é preciso ensinar que são as contrariedades que fazem com que o engenho se aguce e onde a inteligência se mostra. Até Albert Einstein falhou os exames de admissão na Escola Politécnica de Zurique, tendo que repetir.
1Excetuando, obviamente, discursos de ódio e xenófobos.