No meu 11º ano tive um professor de Filosofia que só me deu aulas durante dois ou três meses. Não me lembro do nome dele, só que parecia o Ned Flanders e foi embora porque teve uma proposta para dar aulas numa faculdade. Fiquei sempre com a sensação de ter sido roubada e que com mais algum tempo, poderíamos acabar a subir para as mesas e a rasgar livros. Mais que uma vez conseguiu deixar-me a pensar, só com um comentário solto a algum disparate dito por um miúdo de 16 anos. Neste caso, alguém falou em “presente”. Muito prontamente, o professor disse: “Presente? O presente não existe. O momento em que eu disse “presente” já passou, já é passado”.
Mal sabia eu nessa altura que me iria tornar num adulto com ansiedade e síndrome de pensamento acelerado, e que mais do que um exercício de pensamento, as palavras deste professor eram uma profecia.
Quantos como eu, adultos no século XXI, vivemos a tentar agarrar o passado – ou o presente, para os sortudos que ainda o conseguem ver – mas com a consciência no futuro? Pois, o presente é muito bonito, mas é preciso não esquecer os miúdos na escola, não deixar passar aquele prazo no trabalho, o jantar (mas o que raio vou fazer para o jantar e porque ainda ninguém inventou refeições em comprimido?) e, tendo em conta a situação económica actual, quantas pessoas vivem com o pensamento nos dias de pagar as contas?
O Verão, principalmente Junho, para mim é o melhor exemplo de “presente que não existe”. Começo logo a desejar feliz aniversário dia-sim-dia-sim, porque Gémeos somos muitos e atraímo-nos mutuamente. A seguir vem um feriado, outro feriado, depois o meu aniversário, depois o São João e como assim é Julho? Nisto, já entraram os saldos de Verão, ainda não pus os pés na praia nem vi férias, mas comprar um bikini? “Já só temos o 32 e o 45, é, devia ter vindo mais cedo, mas tem aqui uma gabardina linda da nova colecção”. E pronto, mais um Julho a rezar aos deuses da integridade estrutural do elastano e a prometer que para o ano nos lembramos de não deixar chegar aos saldos, até que entra Agosto e somos bombardeados com “Regresso às Aulas” em toda a parte. Lembro-me de ser estudante e insultar baixinho o supermercado, quando me começava a lembrar do “Regresso às Aulas” a meio das férias. O mês de Setembro, nem quero imaginar o que seja para quem tenha filhos, mas para gente como eu é mais um tentar agarrar o presente. Será que vamos continuar a ter bom tempo? Será que ainda dava para uma escapadinha? Será que este é o último dia de praia? E pronto, foi o Verão possível, para o ano há mais. Mas não se preocupem que o Natal está já aí.
Ouço por aí que existem pessoas que conseguem estar no presente através de práticas de Mindfulness, e confesso a minha grande admiração por essas pessoas. Alguém me explica? Já pintei mandalas a lápis-de-côr, aguarela, marcador e nada. Já tentei as meditações, mas ou acabo a pensar na série que vi ontem ou a fazer a lista de compras para amanhã. Ou a dormir. Provavelmente a dormir.
Há um tempo, uma pessoa que conheço dizia que desde que fez 35 anos tinha a sensação que o tempo lhe escorria entre os dedos como areia. Eu costumo comparar essa sensação a uma peneira, mas todos os anos os buracos dessa peneira ficam ligeiramente maiores, até que já não há areia, apenas gravilha. Mas o problema da gravilha é ser pesada e não leve como a areia. Nesta metáfora a gravilha são os momentos menos bons, esses sim que demoram a passar. E a partir duma certa idade é quase certo que já coleccionamos alguns destes. Penso que será por isto que muita gente da minha idade descreve que a pandemia parece ao mesmo tempo que foi ontem e numa época distante, pois apesar do stress causado pela mesma, foi também uma altura em que puderam descansar, reflectir e “aproveitar a casa”.
Contudo, longe de mim acabar uma reflexão numa nota negativa, portanto deixo-vos com a sabedoria de um íman que tenho no frigorífico, mais exactamente uma citação de José Luís Peixoto:
“Estamos aqui, o caminho também é um lugar.”
Esta frase acalma-me quando começo a pensar que já deveria estar num qualquer ponto da minha vida tão ideal como irreal. Talvez se aplique também ao tempo, e o presente não seja assim tão importante. Só o caminho.