Há algum amante de livros que resista a um link de sugestões e dicas de leitura? Eu não.
E quando vi uma publicação sobre literatura sul-coreana mais depressa cliquei, porque efetivamente nunca tinha lido qualquer linha daquela latitude. Todo um parágrafo sobre a notoriedade da K-Pop, das séries e filmes recentemente aclamados e por fim, a descrição de vários autores e obras premiadas, incógnitas para mim. Li as sinopses, comentei a pesquisa com uma amiga e acabei por optar pela Vegetariana de Han Kang, também por se tratar de um best-seller agraciado com um Man Booker International Prize. Escolhi a versão de bolso pois a vida corre e eu gosto de correr com livros atrás.
A obra baseia-se na premissa de uma jovem mulher absolutamente normal, nem bonita nem feia. Yeong-hye vive sem entusiasmo ou reclamações, deixando o marido viver a sua vida sem sobressalto, como ele sempre gostara. A rutura surge após um sonho terrível, depois do qual a protagonista resolve tornar-se vegetariana e paulatinamente um ser vegetal – uma árvore, porque talvez uma árvore sofra menos que um ser humano -, e de todas as reações extremadas e mudanças que a decisão tem na sua família.
A promessa de uma vida mundana marcada por um ponto de viragem é sempre tentadora enquanto leitora. No entanto, o que me encantou desde o início foi a alternância de narradores, entre o marido, o cunhado, a irmã… revelando-se a ação sobre diferentes perspetivas.
A empatia com o protagonista e/ou narrador gera grande parte da conexão a um livro, mas eu considero cada vez mais interessante entrar na mente das diferentes personagens que compõem uma história. Muda-me as lentes, faz-me ver d’outros ângulos, veste-me a pele de cada um, oferece-me um bilhete para uma experiência a 360º. É-me sedutor ler pensamentos divergentes, sem melindre, e sentir como a escrita se altera de acordo com isso. Seria mais fácil o exercício de concordarmos ou não com Yeong-hye e assim, espelharmos a sociedade atual que cresce na polaridade (ou sim ou não, ou estamos de acordo ou contra), mas isso não acontece em A Vegetariana. Aqui, a voz de Yeong-hye surge apenas nos diálogos e nos subterfúgios das suas deliberações, e talvez, seja essa a chave-mestra da autora, mostrar como as mulheres sul-coreanas não têm espaço para a sua voz, que esta é esbatida no olhar da sociedade.
Ao longo deste processo de vegetarianismo (ou “vegetalismo”?), destaco a poesia visual – indissociável da cultura asiática – os matizes paternalistas, o lirismo sexual, o fio cru da narrativa com descrições qb que apresentam os trejeitos das personagens e a inflexibilidade cultural, sem quebrar o ritmo e sem abandono do livro a meio.
A metáfora da carne, proteína de culto na gastronomia do país, é bem explorada pela autora. Há definitivamente reações adversas a essa decisão (que acontecem também a ocidente) mas o desafio neste caso, não está na dieta em si, mas sim, em perceber o quão donos somos da nossa própria carne. O que estamos dispostos a largar para sentirmos a nossa essência e a aceitar dignamente o direito do outro sobre o seu próprio corpo? E é aqui que um livro dito sul coreano se torna universal, humano, plural, digno de ser folheado.
Confesso que proferir-me sobre um livro, que é uma tradução de uma tradução, tem um travo amargo na boca, pois não acedo às vísceras linguísticas originais. Porém, quando me fundo e me transporto para a narrativa e não encontro lugares-comuns na escrita, estou mais certa do que penso e escrevo. Além disso, este link de sugestões (um pop-up bem disfarçado) cumpriu o seu papel: persuadiu-me à compra e à aquisição de mais obras sul coreanas, com ou sem carne, seja lá isso o que for nos dias de hoje.