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Situação Crítica

Quero começar por dizer que este artigo trata de duas recomendações de livros que li e que considero excelentes e que têm hipóteses de ser do agrado de um amplo número de leitores, que gostam de um bom livro, seja BD ou não.

São, portanto, obras de grande qualidade e que se conseguem encontrar facilmente em todas as livrarias do país, uma vez que foram editadas recentemente.

Lucky Luke – os Choco-Boys

Ralph Konig, A Seita 2022

Desde 1977 que o personagem de Morris deambula por álbuns de BD, com uma qualidade ora alta, ora baixa, mas sempre sendo um enorme sucesso junto dos leitores. Existe sempre aquela sensação de ler um livro e ficar a pensar: “Este está à altura do que seria um livro do Goscinny?”. Ora bem, acho que foi preciso criar a série “Lucky Luke visto por” para surgirem grandes versões, em pouco tempo, capazes de rivalizar com os álbuns do argumentista já citado. Todos os álbuns desta colecção já se encontram editados por cá e os dois melhores são “O Homem que Matou Lucky” e este – atenção que sempre saíram bons álbuns da personagem, mas nesta série a qualidade média é bem alta (apenas um dos álbuns destoa um pouco, não sendo, no entanto, mau).

Os tempos em que Goscinny brilhava em argumentos absolutamente geniais, com metalinguagem, paródia ao western ou mesmo autoparódia são recuperados neste livro com mestria. E naturalmente com Ralph Konig, as questões da sexualidade ficam à flor-da-pele e parece que este é um livro escrito por um filho da relação entre o Pedro Almodóvar e o Goscinny. O humor à volta do preconceito sexual, feito de forma ligeiramente brejeira, mistura-se com momentos de citação de velhos álbuns, indo mesmo lá atrás, ainda antes de Morris ser ajudado nos argumentos por Goscinny – mas nunca, em momento algum se torna uma leitura complexa, antes pelo contrário, as personagens passam a ter uma caracterização mais eficiente.

O autor conhece muito bem o Lucky Luke, tem um domínio perfeito do ritmo narrativo e da história que quer contar. A estrutura da narrativa assenta no cowboy Bud, já velho, a contar a história de como conseguiu ficar com o amor da sua vida, Terry, graças à preciosa ajuda de Lucky Luke. É claro que existe, uma componente de homossexualidade muito grande no livro, mas é feita com uma leveza que recorda muito os filmes de Almodôvar – no Mundo a homossexualidade existe (ponto final) e aqui é encarada ora com naturalidade por Lucky Luke (e aliados), ora com maus olhos pelos preconceituosos de Straight Bunch.

Em termos artísticos, Konig procura aproximar-se ao máximo do estilo de Morris. Sabe que quanto mais se aproximar desse registo emblemático, mais certas piadas visuais, com um ponto de vista sexualizado irão funcionar – basta pensar na constatação sobre o pescoço do Lucky Luke logo no início.

Naturalmente, um excelente álbum de Lucky Luke e com uma perspectiva original, num universo familiar.

Monstros

Barry Windsor-Smith, Gfloy Studios 2022

(análise feita com a versão original da Fantagraphics)

Chega a Portugal uma das obras-primas recentes da Banda-desenhada mundial.

Barry Windsor-Smith é um autor conhecido, sobretudo, por ter sido o primeiro ilustrador de Conan na BD, nos anos 70, e posteriormente por ter “revelado” a forma como o Wolverine ficou com um esqueleto de adamantium, através de um projecto secreto do Governo Canadiano designado de Weapon X.

Desde que este livro saiu nos Estados Unidos, há cerca de um ano, muito li sobre o facto da sua base ter sido um pitch para uma história do Hulk, que a Marvel foi aproveitando ao longo dos anos à sua revelia. No entanto, ao autor interessava-lhe muito mais uma premissa semelhante à de Frankeinstein de Mary Shelley – a criação do monstro e as consequências de tal acto. Portanto, se estão a pensar ignorar esta crítica por eu estar a falar de BD de super-heróis e estão chateados comigo, este é o livro indicado para vocês, porque é uma obra de um chateado com super-heróis para o Mundo.

Ao contrário do que li em muitas críticas, Barry Windsor-Smith não é um mero artista de super-heróis, sendo sim um artista completo/complexo, muito activo e crítico em relação à forma como se faz BD no mainstream e como as empresas corporativistas roubam a criatividade aos jovens autores.

Dono de um cunho autoral fortíssimo, na casa dos 70 anos, este gigante da Banda Desenhada apresenta-nos a sua magnus opus, Monstros, um trabalho de mais de 360 páginas, que é um fabuloso romance gráfico.

E do que trata o livro?

Bobby Bailey vai alistar-se nas Forças Armadas, longe de saber que será a cobaia perfeita de um programa genético iniciado na Alemanha Nazi, no final da Segunda Guerra Mundial. O Sargento McFarland, indivíduo integro, mas que, depois de lidar com severos problemas de consciência, se torna no improvável aliado de Bobby, numa saga onde se irão encontrar monstros reais e metafóricos e os frutos das nossas famílias.

O autor conduz a história com toda a calma possível e é construída com atenção aos detalhes, de forma a que nos envolva emocionalmente. Não são poucos os momentos em que o destino das personagens nos parte o coração, ou pelo contrário, nos agrada por terem o mal que merecem.

A construção dramática é feita para nunca sabermos ao certo a ressonância/importância verdadeira dos acontecimentos que estamos a presenciar. O autor explora isso, posteriormente em flashbacks, flashbacks esses que nos deixam com os nervos em franja, porque não sabemos para onde a história irá caminhar – a única certeza é que algo desconhecido está ali, ao virar da página.

Os layouts das páginas são feitos de forma que o autor possa dominar a 100% o ritmo e tempo da narrativa. Não será de estranhar ver páginas onde temos 12 vinhetas e onde o tempo está comprimido ao máximo, para depois passarmos para 9, 6, 4 até à splash page onde temos um evento de alto impacto. Outra forma usada para nos guiar em termos de ritmo, é a alternância entre os ambientes criados por detalhes de “tramas a preto” e os ambientes com preto plano, estes últimos sempre que a narrativa é mais acelerada – se numa conversa o detalhe é máximo, numa perseguição de carros, o preto bem preto é dominante.

O preto e branco é usado para nos guiar o olhar na página, isso acentuado por uma legendagem excepcional, que nos guia e que dialoga a cada momento com o que estamos a ver no desenho.

Uma obra sobre a natureza humana que deve ser conhecida por quem gosta de um excelente drama de ficção, muito bem desenvolvido, que tem personagens fascinantes e que não tem pressa em chegar ao destino traçado pelo autor, desde a primeira página.

Um clássico instantâneo, uma obra ímpar.

Nota: Este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico
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