Young adult playing virtual reality games with headset and controller in a stylish indoor setting.

A ambiguidade do live gaming

Descubra como streamers no Twitch, YouTube e Kick transformam o entretenimento em comunidades digitais que misturam companhia, economia e cultura participativa.

Há poucos anos, no início da pandemia Covid-19, fiz aquilo que, então, se chamava CCP. Estávamos nos primórdios do Zoom e de plataformas semelhantes; poucos se sentiam à-vontade nos pequenos quadrados do ecrã, onde se revelava, também, o espaço que rodeava cada um. Entre os colegas, um chamava a atenção de todos. Mais jovem, conhecedor de informática e de jogos online, surgia indiferente à desordem do quarto que servia de cenário. Hoje penso que poderia estar a treinar para uma nova forma de presença digital, streamer ou espetador ativo do Twitch, Youtube Gaming, Kick.

A rápida proliferação de tecnologias e plataformas digitais remodelou significativamente a forma como consumimos, interagimos e criamos conteúdos mediáticos. Um dos desenvolvimentos mais marcantes foi a ascensão das plataformas de streaming de jogos, que permitem a qualquer pessoa transmitir em direto para públicos globais. Os streamers não se limitam a jogar para espetadores passivos; cultivam e envolvem ativamente comunidades online que desafiam a ideia tradicional de público.

Afinal, o que é um streamer e que importância pode ter para quem o vê?

Em muitos casos, é companhia. Não um amigo sentado ao nosso lado no sofá, mas alguém que, de casa, fala com milhares de desconhecidos. Como se estivesse numa sala cheia de amigos. O streamer transforma a vida num espetáculo em direto. Joga, mas também conversa, cozinha, comenta o quotidiano, lança desafios, partilha estados emocionais. Desenvolve relações parassociais interativas, em que quem assiste sente proximidade, mesmo sabendo que não se trata de uma amizade pessoal. Qualquer pessoa com um computador, uma câmara e disposição para falar por horas pode ser um streamer, criando sua própriaca e ritmo.

Neste microcosmo, há streamers que se tornam celebridades digitais. O sucesso depende tanto da habilidade do jogo como do carisma: a forma de rir, de reagir, de fazer cada espetador sentir que pertence à comunidade. Do outro lado do écran, há uma plateia, onde quase todos se conhecem pelo nickname, partilham emojis que se revestem dos mais variados significados, pagam subscrições, ou enviam donativos para apoiar o canal. Criam-se rituais, como o inevitável «boa noite, família», e estruturas de organização. Os moderadores desempenham um papel central na gestão de conversas, na prevenção de abusos e no equilíbrio da liberdade de expressão com regras de convivência.

Muitos espetadores são assíduos, ajustam as suas rotinas ao horário do canal e celebram conquistas coletivas. Estas partilhas reforçam a identidade do grupo e criam laços, ainda que mediados pela tecnologia. Esta é uma forma de atenuar a solidão ou de encontrar pessoas com interesses comuns. Henry Jenkins refere-se à cultura participativa, às tribos digitais com símbolos, piadas e rituais próprios.

A dimensão económica é parte essencial destas estruturas. Subscrições, donativos e patrocínios são o suporte à atividade dos streamers. É um trabalho que pode gerar rendimento e autonomia. Mas os riscos existem. A pressão para manter a audiência, gerir a frequência das transmissões e a necessidade de estabelecer limites claros entre o público e o privado podem trazer problemas para a saúde mental.

Não se trata de endeusar nem de diabolizar os streamers. Estes são criadores de conteúdo que se movimentam no entretenimento, na interação e no trabalho digital.

Quando as telenovelas chegaram, as pessoas reuniam-se à volta da televisão e tratavam as personagens como membros da família. Agora, os streamers também oferecem a sensação de pertencermos a algum lugar, mesmo que seja um chat em constante movimento. A procura de ligação social faz parte da vida humana.  Para algumas pessoas, é mais fácil ver alguém viver em direto do que lidar com o silêncio da própria vida offline.

E sobre si, que fascínio exercem os streamers? Partilhe a sua opinião na caixa de comentários.

Este artigo foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.

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