33 homens e 20 minutos

Os últimos tempos não têm sido fáceis. Depois da violação de uma rapariga de 16 anos, numa favela, por um grupo de 33 homens, somos confrontados com outra notícia do mesmo teor: a violação de uma rapariga por um jovem. O que tem isto tudo de diferente daquilo a que estamos habituados? No primeiro caso tratou-se de uma vingança. A rapariga em questão tinha acabado o namoro e o rapaz, despeitado, decidiu que a sua honra de macho não poderia ficar ferida. Preparou uma cilada em conjunto com o grupo mencionado e, segundo as palavras dela, quando acordou nem conseguia entender o que se estava a passar. Não satisfeitos com a façanha, tiraram fotos e filmaram, colocando tudo em publicação aberta. Tenho alguma dificuldade em encontrar palavras para ” desclassificar ” esta atitude. Qualquer palavra que escolha parece-me pouca, pequena, inferior para tamanha barbaridade. A rapariga ficou abandonada, ensanguentada, em profundo sofrimento, sem assistência imediata.

Qual seria a ideia do ex-namorado? Que ela morresse? Não interessa o passado de nenhum deles, interessa é o momento, a atrocidade, a marca que ficará indelével naquela rapariga, numa menina de 16 anos. Quando é pronunciada a palavra não significa que não há consentimento. A persistência do agressor é uma violação, uma invasão da privacidade, da intimidade. Foi um acto de poder? De demonstração de virilidade? De perfeita e completa violência, não há a menor dúvida, de leviandade. É de um ser humano que se trata, não de uma coisa, de um objecto. Será que não pensaram que podia ser com a irmã deles, com a mãe, com a prima, com qualquer pessoa do seu núcleo chegado? Não, não pensaram porque o que aconteceu foi um acto animalesco e nada teve de humano. Em que século estamos? Não parece ser no século XXI e muito menos no Brasil, país de acolhimento de inúmeros turistas, de Carnaval, de cor, de festa, de alegria. Os únicos sentimentos aqui são de tristeza, de nojo, de repulsa. É um país católico, onde é pregado o amor ao próximo, onde a imagem da Virgem Maria, uma mulher, a mãe de Jesus Cristo, que viveu 33 anos, é venerada. Que forma horrível de a honrar, até se torna irónico de tanta arbitrariedade e desprezo. A justiça nunca será conseguida, por mais que se tente, que se insista. Inverte-se a situação e a vítima é que é a culpada, a provocadora, a incentivadora. É um mundo machista que assusta e prevalece.

O outro caso aconteceu nos Estados Unidos da América e durou 20 minutos. Dispensava-se esta informação, mas tem sido a base da defesa do pai do rapaz envolvido. A rapariga foi violada, violentamente, contra a sua vontade, apesar de ter dito não, de se debater, mas o rapaz levou até ao fim os seus intentos. O pai argumenta que o filho não deve ser prejudicado por um acto de 20 minutos. É um promissor atleta, nadador, e a punição pode ser um impedimento à sua carreira. E a rapariga que ficou danificada para sempre, não tem importância? Os 20 minutos foram diferentes para os dois, como é óbvio. Para ele foi um acto de prazer, de subjugação, de virilidade, de domínio e foram “uns míseros 20 minutos”, mas para ela foram uns terríveis e intermináveis 20 minutos de dor, de sofrimento, de violência, de barbárie, de algo de indescritível e mutilador. Ele não deve ficar prejudicado, diz o pai, mas ela não interessa, nem lhe fez referência. É uma jovem, em início de vida que fica traumatizada para sempre. E se fosse filha dela, defenderia a mesma tese? “Put on your shoes” é adequado para ser usado aqui, neste momento, agora. Mas não é o pai da vítima, é o pai do agressor.

A federação da natação já o excluiu, não se quer conotar com tamanha brutalidade e é a atitude certa a tomar. O egoísmo e a falta de sensibilidade têm consequências e estas devem ser assumidas. 20 minutos é uma imensidade de tempo para quem sofre as servícias duma situação ignóbil. É lamentável que um pai fique cego deste modo, só veja o seu lado da questão, que não consiga ser homenzinho a sério e se coloque numa posição humana, admitindo que o filho agiu mal. Um pai deve proteger e defender os seus filhos. E onde está a mãe, não tem uma palavra a dizer? Será que a família, o pai e o filho são tão machistas ao ponto de nem permitirem que a voz da mãe se oiça? Ou será que ela não quer falar pela vergonha e tristeza que sente?

Tudo leva a crer que a misoginia está na ordem do dia. Este ódio irracional às mulheres não será simplesmente medo? E respeito, já não se usa, não se cultiva? Imaginemos um mundo só de homens. Fechemos os olhos. Abrimos e só vemos homens. É a felicidade atingida ou é a homossexualidade assumida? As diferenças existem, por algum motivo, e devem ser respeitadas. As mulheres são tão humanas quanto os homens e devem ser tratadas de modo adequado. São as mães, as filhas, as irmãs, as primas, as sobrinhas, as avós, as antepassadas que permitiram que toda esta gente chegasse aos dias de hoje.

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