De onde vem a Alegria?

A simplicidade é a forma mais elegante de vestir a alma. E é nesta forma simples de ser que reside a Alegria, de onde tudo sai e onde tudo pode ser transformado. Mas nisto de formas e fórmulas de estados emocionais e de espírito cada um é que sabe de si e dá o sinónimo que o seu olhar interior quiser dar. Não há verdades absolutas nesta matéria, nem há psicólogos nem psiquiatras que a definam e identifiquem tão bem quanto cada um de nós, na nossa individualidade.

Na minha opinião, existem dois tipos de Alegria: a “alegria flash”, que vem e vai num instante numa manifestação rápida de fogo-de-artifício, e a “Alegria claridade”, que ilumina permanentemente quem a sente e a assume como modo de vida. E ser alegre não é estar sempre a rir, com um sorriso forçado estampado no rosto, nem fingir que nos damos bem com toda a gente. Muito mais do que isso, encaro a Alegria como uma forma de estar e de ser em que todos os dias podemos acordar para a [boa] novidade, com entusiasmo de principiante.

Quando o meu pai morreu a minha tristeza era tão grande, que nem sabia que era possível sentir aquilo. Tudo me doía, por dentro e por fora. Cheguei a achar que, dificilmente, iria voltar a sentir a Alegria de viver que o meu pai tão bem nos ensinou, a mim e aos meus seis irmãos. Com o tempo fui percebendo que, embora parte de mim tenha morrido – porque todos os que partem levam um pouco de nós -, a verdade é que a vida nos vai apresentando novas Primaveras, também elas manifestações daquilo que os que partiram deixaram em nós. E é esta presença que podemos transformar em força motriz de viver, a presença da Alegria do Amor.

O sentido que eu dou à Alegria é “acordar com o cheiro da Vida”. E é no somatório das Alegrias que encontro a felicidade. Mas de onde é que vem a Alegria? Como a encontrar e cultivar? A Alegria está dentro de nós, na energia vital, na autenticidade, na entrega e na simplicidade. No nosso olhar interior, positivo e entusiástico, perante o copo meio cheio ou meio vazio. Alimentar este estado depende de nós e da nossa atitude. É isto.

É possível sentir Alegria estando triste. Parece um paradoxo e é tão difícil, mas é possível… A seguir ao funeral do meu pai, fomos todos para casa ter com a nossa mãe. Somos uma família grande, todos com um entusiasmo de viver incrível, e o culpado disto tudo é o nosso pai que abraçava a vida com uma Alegria contagiante. Esse resto de tarde foi passado a falar do nosso pai, das piadas dele, das histórias por que ele passou e nos contou e da sua presença batalhadora, confiante, entusiástica e genuína. Da sua simplicidade, que era a sua Alegria e força de viver. No final daquele dia quente de Agosto, fizemos um brinde em homenagem ao nosso amado pai [ele adorava fazer brindes]. Quem ouviu aquilo, certamente terá pensado que estávamos a desrespeitar a memória do nosso pai… Mas não. Só nós é que sabíamos que aquela dor, profunda e partilhada, podia ser transformada em Alegria, porque era o que o nosso pai quereria, porque ele também era assim. Porque é o nosso modo de vida. Tem resultado. Hoje sentimos tanto a sua falta, mas sempre que a tristeza e a saudade nos invade [falo também pelos meus irmãos, porque sei que eles concordam] pensamos na Alegria do nosso pai e na Alegria que ele nos enraizou. Na Alegria que nos ajuda a viver e a sentir o nosso pai presente nos nossos corações e nas nossas acções.

Ver com um olhar de principiante as coisas que a vida nos dá é uma forma de todos os dias descobrirmos oportunidades, de a toda a hora aprendermos algo de novo e de estarmos abertos à mudança, meio caminho andado para nos conhecermos um pouco mais e, diria mesmo, nos aproximarmos daquilo que é a nossa essência.

Há quem encare um dia de chuva como uma tempestade e há quem veja na chuva um motivo para ter o carro lavado, até porque tudo é uma questão de perspectiva e a visão que cada um dá às coisas resulta, na maior parte das vezes, daquilo que está dentro de nós e que não se vê: aquilo que somos.

Há quem considere a Alegria uma forma supérflua de estar e de disfarçar a infelicidade. Eu acho que a Alegria é a peça de um puzzle chamado felicidade. E há também quem confunda a simplicidade com o ser simplista ou simplório. Mas isso é outra coisa. Aliás, há pessoas que são tão pobres que a única coisa que têm é dinheiro. E há pessoas que são tão ricas que a única coisa que não têm é dinheiro. Daí que a simplicidade não tenha relação com o materialismo, mas sim com a suficiência existencial, com o que realmente importa na vida. E o que na verdade importa não tem preço. Tem valor. A simplicidade é como uma árvore. Não importa o quanto cresce nem as cores da folhagem que veste e despe, mas sim a estrutura que a define e a mantém de pé.

A nossa maior responsabilidade é sermos felizes. E nada melhor do que respeitar o milagre da vida, vivendo com Alegria como forma de gratidão. Ela está dentro de cada um de nós. Basta estarmos atentos, sentirmos a música e a dança da nossa respiração. Basta olharmos à nossa volta e sentir a Vida. Basta aceitarmo-nos e aceitarmos o que a vida nos dá. É sermos resilientes quando tivermos que ser. Mas é muito difícil, e às vezes até regredimos, mas não deixa de ser um desafio a superar. O caminho da Alegria é um processo contínuo, que requer esforço, aprendizagem e persistência. Mas é enriquecedor. E quando a caminhada é feita desfrutando de cada passo, cada passo passa a ser um bocadinho de Alegria.

“É melhor ser alegre que ser triste / Alegria é a melhor coisa que existe / É assim como a luz no coração…”, assim canta Bebel Gilberto o Samba da Bênção, de Vinicius de Moraes, o poetinha.

“Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.” Eu tenho um nome para isso: Alegria. Mas isto sou eu…

Share this article
Shareable URL
Prev Post

A dualidade da escolha

Next Post

O Pai

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Read next