22 de Abril.
Parece que foi o dia da Terra.
Agora – desde há cinquenta anos – até a Terra tem dia. Como se lhe estivéssemos a prestar um digno serviço com essas datas assinaladas e postas em montras de toda a espécie, como se não estivéssemos a roubar-lhe todos os outros 364 dias ou ainda mais um, em calhando bissexto. Assim vamos, como se não fosse ela que nos dá os dias. Todos. Sem excepção. Ainda.
É mais um dos dias que, por mai nobre causa em sua origem, por melhores intenções na sua génese, logo se deixa agrilhoar pelas implacáveis regras do marketing , pelas teias das redes sociais que, depois de nos fustigarem com o dia mais triste do ano – aquela suposta segunda feira de Janeiro –, com o dia dos namorados – compra –, o dia do Pai – compra –, o da Mãe – compra –, o dia do livro – compra – e todos os outros que a memória ainda não domou mas que estão bem registados nos calendários do marketing digital tão em voga. Claro que todos estes acontecem no meio de saldos e promoções, black, blue, green Fridays e agora Thursdays ou mesmo whole weekends e, também luas cheias, novas, crescentes ou minguantes, sempre boas para terminar ou começar qualquer coisa. Sobretudo começar algo por e-mail, à simples distância de um clique.
Agora, já há tantas marcas que se deram ao trabalho, à investigação, aos gastos e investimentos em criar algo mais sustentável, menos poluente, menos nocivo para nós e para o planeta; marcas cujo trabalho me apraz louvar, mas que também elas se querem posicionar no mercado. Precisam! É que a viabilidade económica também é critério de sustentabilidade. Claro, perante estas matrizes imparciais que sobrevoam todos os negócios da mesma forma, qual senhora da foice, lá se põem as verdes marcas a dar os passos necessários à sua sobrevivência. Que passos são estes? Iguais aos de todas as marcas: lançam-nos sem misericórdia ideias de necessidades que desconhecíamos, urgências que até então não escutávamos e, porque não, um life style que suspeitávamos desejar, mas que então nos é posto evidente, como escolha adequada. Por vezes única. Elas sabem melhor que nós o que se nos ajusta, poupando-nos ao trabalho de pensar nisso, que tanto nos cansa.
Nada seria mais benéfico à Terra, no dia que lhe coube e em todos os outros que dela são, do que consumirmos menos. Antes de começarmos a consumir melhor, temos de consumir MENOS. MENOS. MENOS. Aqueles R’s, também eles produto do marketing, rendamo-nos, apregoam isso mesmo – começaram por ser três, quatro, cinco, parece que já são sete ou oito, e com versões variadas: Repensar, Recusar, Reduzir, Reutilizar, Reparar, Reciclar, Reintegrar e um Respeitar no meio… Até aqui cedemos ao exagero. Como nos R’s, em todo o restante alfabeto, assim o dicionário e a criatividade permitam.
E eis senão quando este dia 22 de Abril chega e as marcas ditas verdes, sustentáveis, com ou sem pegadas, se rendem às regras básicas da publicidade, usando calendários e agendamentos batidos, disparando sem medida convites à compra. E a mensagem já se virou do avesso. Alerta que, em calhando, ingénuos da conveniência, ainda nos ficamos a sentir muito bem por comprar um novo creme sem benos e parabenos, com embalagem consciente de plástico reciclado, para juntar aos três que jazem no armário à espera de um fim, que tarda. Talvez se estraguem em breve, para que finalmente a compra se justifique e a consciência se apazigue.
Os nossos ímpetos de vaidade mal resistem à volatilidade das modas. Mesmo comprando em consciência, não usamos em consciência. Seria bom usar tudo, o mais possível, até ao fim. Até os sacos do demonizado plástico.
Há uns tempos, pensava que o termo estava mal empregue, que bens de consumo devia ser uma expressão a aplicar ao que ingerimos, o que comemos e bebemos, e os restantes deveriam ser expressados como bens de uso, visto que aquilo que faríamos com eles seria usá-los: a camisola, os ténis, o sofá, o carro, todos os bens materiais que cada um possa aqui deitar, com excepção daquilo que literalmente consumimos. Pensava eu que usar pressupunha uma duração no tempo, um estender da utilidade do objecto.
Mas percebi agora que o termo está bem empregue. São mesmo bens de consumo, não que a sua função se esgote no pouco tempo que os utilizamos, o que se esgota é a nossa vontade, o nosso desejo. Consumimos e deixamos de lado, para logo começarmos a procurar um outro que lhe tome o lugar.
O termo está afinal bem encontrado.