A importância da Ética nas Redes Sociais

Esta semana venho falar-vos de um tema que me tem preenchido o pensamento na grande maioria das pouquíssimas horas vagas que tenho tido nestas últimas semanas.

A ascensão e prevalência inegáveis e aparentemente indestrutíveis dos meios tecnológicos e das novas plataformas está a moldar esta profissão, esta indústria, este ofício de trazer e contar a verdade, esta missão que abraçamos e que consiste em reportar aos nossos concidadãos o que acontece “no país e no mundo”. Ou seja, o Jornalismo. Como tal, devemos ter presente que não pode ser de forma alguma descurada a imperiosa necessidade de se aplicarem os princípios da ética da profissão, a esta nova vertente comunicacional que assenta quase em exclusivo no Universo Digital.

Vamos então directamente ao assunto.

Particularmente no caso das notícias de ÚLTIMA HORA, as chamadas breaking news, quantas vezes damos por nós enfiados numa espécie de máquina de lavar roupa, onde estamos a tentar desesperadamente agarrar todas as peças dispersas de informação, que nos permitam construir a nossa notícia, o nosso ÚLTIMA HORA? E nessa mesmíssima odisseia, quantas vezes isto tem lugar sem que tenhamos sequer tempo para fazer uma verificação exaustiva da veracidade da informação que estamos a tentar recolher, antes mesmo de a publicarmos? Este é sem dúvida um paradigma dos tempos e em que vivem imersos muitos dos jornalistas do século XXI.

Na grande maioria das vezes, o problema que acima apresentei aparece-nos exactamente, quando entramos no admirável e intangível mundo das Redes Sociais. Como? Então, vejamos:

Quer seja a vasculhar por entre milhares de tweets, fotos, ou posts online que encontram e acham que podem incorporá-los na vossa história, no vosso artigo, na vossa peça, é muito importante que parem um instante para reflectir sobre a forma como vão publicar e produzir esta mesma peça, este mesmo conteúdo, esta mesma informação.

Claro está que este assunto, este tema, não surge por obra e graça do Espírito Santo. No que diz respeito aos #SOCIALMEDIA, os problemas e dilemas éticos saltam-nos para o colo a toda a hora e a todo o instante.

Aquilo que pretendo é, daqui para baixo, apresentar-vos alguns pontos que considero serem fundamentais para quem pretende utilizar informação que encontra neste tipo de sites, isto é, nas redes sociais.

Acesso

Questionem-se sempre sobre o tipo de acesso que têm à informação que foi postada, tweetada, ou partilhada. É extremamente importante que se perceba de que forma a dita informação é veiculada e de que forma é que vocês conseguem aceder à mesma. Por exemplo, se só conseguem ver uma determinada fotografia de uma determinada pessoa, porque alguns dos vossos amigos estão identificados na mesma fotografia, faz sentido e será correcto mostrar/exibir/expor essa fotografia? A minha resposta é clara: Não.

Não se justifica e não é ético, mas, se a mesma fotografia for pública, se tiver sido postada pela pessoa em causa no seu mural público e estiver disponível para ser vista e encontrada por quem quer que seja que a procure, então, o caso muda de figura. Passa a não existir qualquer atropelo ético, uma vez que o autor da fotografia tomou a liberdade de conceder acesso público à mesma na sua rede de contactos. No fundo, este ponto resume-se facilmente à privacidade e às expectativas relativas à mesma privacidade que cada uma das pessoas tem. No entanto, existem sempre nuances e, sobretudo, variações ténues e muitas vezes ignoradas por nós, jornalistas, e que se prendem com as definições de privacidade que os utilizadores das redes sociais estabelecem para os conteúdos que publicam. Assim, se determinada pessoa publicar um determinado conteúdo, onde exerce restrições relativamente às pessoas a quem quer mostrar, ou não mostrar o mesmo conteúdo, será ético da parte do jornalista, expor esse mesmo conteúdo, unicamente porque tem o privilégio de fazer parte dessa lista limitada de pessoas a quem o post é mostrado? Não, claro que não. E mais do que isso, perde-se o amigo, com toda a certeza. Para fazer algo deste género é preciso ter autorização do autor/amigo, ou alguém que fale em seu nome, caso contrário, lá estamos nós a abusar e a desrespeitar a privacidade alheia.

Auto-Verificação

Só por que alguém diz no Universo Online/Digital que se chama Maria João, não quer dizer que essa pessoa se chame, na verdade, Maria João. Confuso? Eu explico.

MM_aeticanasredessociais_1Todos sabemos que é possível criar perfis online com o nome que quisermos e bem entendermos. Assim, se tal me aprouver, posso criar um perfil para o Zebedeu dos Anzóis e dar-lhe uma identidade, uma morada, tudo isso, mas não deixando nunca de ser o Martim Mariano que está a agir como Zebedeu dos Anzóis. Assim, voltando às coisas sérias, é extremamente importante que se faça a verificação de quem na verdade é a pessoa por trás do Avatar que nos é apresentado, regra geral sorridente, ou bem parecido/a. Isto é válido para pessoas e para organizações. Só porque alguém diz que é, ou que faz parte de organização X ou Y, isso não pode constituir por si só uma garantia de que estamos perante uma verdade incontestável, ou… irrevogável.

É da nossa inteira responsabilidade, enquanto jornalistas, de fazermos e operarmos todos os esforços possíveis para verificarmos e comprovarmos a natureza de toda a informação que nos chega, em que tropeçamos, ou que nos é dada. E existem várias formas de o poder fazer. Uma delas é muito simples: pegar no telefone e ligar para a empresa, ou organização a fim de confirmar a informação. Isto serve para fotografias, posts, vídeos, tweets, pins, etc… Lembrem-se sempre do que dizia no parágrafo anterior: Ter determinada foto de perfil no Facebook não significa que estejamos ligados a essa marca, empresa, organização, ou mesmo que sejamos essa imagem que postamos.

Referência/Identificação

Este é outro ponto crucial no jornalismo que se apoia nas redes sociais. Se estamos a usar informação que foi retirada da contas de redes sociais de alguém para compor a nossa peça/história/artigo, temos de o referir no mesmo. Se a informação provém das redes sociais, da página de fulano, ou cicrano, ou beltrano, essa informação tem de ser dada às pessoas. Não basta dizer/escrever que foi dito por A, B ou C. Não é boa prática e de credibilidade tem… ZERO! É igualmente importante ter presente que cada uma das redes sociais tem uma linguagem e uma cultura próprias. Isto pode ser relevante, quando estamos a dizer que pessoa A ou B disse ou fez alguma coisa. Contexto! Sempre. Em 140 caracteres no Twitter não se diz a mesma coisa que num post no Facebook. No entanto, mais importante do que isso é o facto de, ao estarmos a identificar e a referir “o local” de onde fomos recolher esta informação, estamos a fornecer ao nosso público, aos nossos leitores, dados relevantes e credíveis sobre a forma e o processo de recolha da mesma informação o que só pode contribuir para o cimentar da nossa própria credibilidade profissional.

O impacto da partilha 

Imaginem o seguinte: Um jornalista chega ao local de um grave acidente rodoviário. Tira umas fotografias com oMM_aeticanasredessociais_3 smartphone e posta-as no Instragram e no Twitter, com #hashtags, emoticons, tudo o que tem direito. Perfeito! Grande capacidade de registar o momento, isto é reportagem! Porém, no meio de tudo isto, houve uma coisa em que o jornalista não pensou. A fotografia é fortíssima e vai compor e bem a história, mas no meio do carro em tremendo mau estado, que faz o leitor desejar que toda a gente tenha saído ilesa. Contudo, no meio daquele cenário caótico superiormente registado pelo jornalista, houve uma coisa que lhe escapou. A matrícula do carro está perfeitamente visível e reconhecível. Aquela matrícula identifica o carro, o dono, a família e até, muito possivelmente, alguns amigos. Quando um jornalista chega a uma “cena” destas, regra geral, as famílias ainda não foram avisadas do acidente. Quão horrível deve ser para um familiar, ou um amigo ter conhecimento de uma “coisa” destas pelos meios de comunicação social, ou pior do que isso, pelas redes sociais? Dá que pensar não dá?

Contexto 

Quando estamos a construir informação com base em dados recolhidos nas redes sociais é extremamente importante, se não mesmo vital, para o sucesso e credibilidade do trabalho, que se faça uma contextualização completa, tanto quanto for textualmente e graficamente possível. Se o post que estão a relatar tiver sido feito no Twitter, 2 anos antes, refiram-no, e digo mais, no vosso lugar, eu ponderava e avaliava muito bem se fará sequer sentido usá-lo, sabendo de antemão que pode criar ruído e dispersão junto de quem está a ler. E não, os jornalistas não escrevem, nem trabalham para outros jornalistas, por muito que muitos julguem que sim. Estabeleçam um percurso cronológico, porque as pessoas querem perceber, entender, compreender a história que estão a contar. Caso contrário, se não perceberem, o vosso trabalho não vai sequer merecer honras de ser lido/ouvido/visto até à última letrinha. É imperativo que o jornalista pondere e analise de forma séria e responsável se a informação, ou mesmo algumas fotografias em particular, são ou não relevantes e se fazem, ou não sentido dentro do contexto da história que está a escrever/produzir/compor/construir.

MM_aeticanasredessociais_2Uma coisa é certa, se há coisa que o jornalista não quer e que cai com estrondo sobre a sua alma, como a aguçada lâmina de um machado cai sobre o tronco de uma árvore, é que o trabalho que apresenta esteja mal apresentado e, por consequência, que seja mal recebido e entendido por quem o lê. A ética não é uma ciência exacta, de respostas directas, de preto no branco. É preciso uma grande dose de equilíbrio. É preciso que o jornalista pese e analise todas as variáveis da sua história e que as submeta ao processo de revisão ética, pessoal, a fim de evitar qualquer tipo de constrangimento que possa advir de uma falha, ou de um erro de cálculo no que à ética da sua profissão diz respeito e que lhe podem trazer graves dissabores, para além de processos judiciais.

Criatividade sim, responsabilidade sempre. E isto ensina-se e aprende-se.

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