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Zêzere – 20 Anos Depois

Lembro-me das barcaças de madeira ressequida empilhadas à beira-rio, dos pequenos pontões apodrecidos a entrar pela água onde mergulhávamos, das árvores altas que cobriam as duas margens (aquela onde acampávamos e a do lado oposto), dos bancos de areia (remámos até um deles numa tarde solarenga), do terreno da casa da aldeia onde montámos as tendas e do único café (seria uma taberna?) da localidade.

Passaram mais de vinte anos (devia andar pelos catorze-quinze) daqueles dias de Junho em que fomos acampar para a Bairrada do Cardal, junto à albufeira de Castelo de Bode. Éramos sete: eu, o Leroy, o Zé, o Domingos e o Johnny, cinco praticantes de atletismo do Clube Desportivo da Costa do Estoril (infantis, iniciados e juvenis). O Zé Nunes, nosso treinador e maquinista da CP, e o Ricardo, o seu filho, completavam o grupo.

Odeio campismo e adorei aqueles dias! Campismo semi-selvagem (era no rio que tirávamos o shampoo e o sabão do corpo) que me soube à Natureza com que raramente contactava mas da qual cada vez mais sinto a ausência (se é possível perdermo-nos de saudade por um meio onde nunca vivemos, então é saudade o que sinto a respeito destes ambientes mais bucólicos).

Tudo era mais vivo no interlúdio com que ali pausámos as nossas vidas: comer, remar, nadar, apanhar sol, ler (eventualmente)… até houve tempo para o Domingos gritar “Gambuzinos ao saco”, deitado num dos pontões com a cabeça dentro de água e um saco de plástico aberto (claro que alguém lhe levantou as pernas e ele foi ao banho).

Em 2017, escrevi uma história cuja acção situei naquele lugar.

Regressei com uns amigos – o David, a Marta e a Filipa – em Março de 2018: ficámos na Aldeia do Mato, na Quinta da Eira Velha, um alojamento de turismo rural cujo dono e a empregada possuíam a dose certa de simpatia, (um achado!). A quinta situava-se na margem contrária da albufeira (em relação ao Cardal), um pouco a jusante (sul, no caso). Visitámos Tomar, Dornes e Constância e comemos maravilhosamente bem nos restaurantes das redondezas (trouxe comigo a Tasquinha d’Aldeia em Fontes, a norte da Aldeia do Mato…)!

O lugar onde acampei e que pintei na história deixara de existir… longe de perder a beleza, simplesmente tinha pouco a ver com o que a memória foi preenchendo. Voltei à Bairrada para constatar que poucas ou nenhumas árvores em volta daquele braço de rio existiam. A aldeia pareceu-me mais arranjada; as casas dos emigrantes no lugar das habitações que eu recordava.

Os lugares evoluem mas a memória prega-nos tantas partidas, sobretudo quando somos jovens e o mundo nos parece um lugar onde tudo é tão grande, tão belo, tão carregado de sensações embevecidas com que uma criança olha para o que a envolve. Crescemos e o que nos pareceu em tempos deixou de existir no adulto para onde caminhámos.

Contudo, se me pareceu, foi porque assim vivi aquela experiência a meio da década de noventa e por isso, ainda que aquele lugar paradisíaco nunca tenha existido como o descrevi na história, ele existiu sem dúvida na minha vida. Por isso, não quis voltar antes de acabar de escrever: para manter vivas as sensações de então.

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