Dei por mim às voltas e voltas, sem conseguir escrever este artigo. Queria afastar-me de todos os que li, pejados de citações e referências, em jeito de validação do conhecimento. Apesar de essenciais e importantes, se me colasse a estes textos, não seria uma verdadeira Repórter Sombra.
Todos sabemos que o mundo tecnológico mudou. Para nos certificarmos, basta reflectir. A minha geração, a de 80, acompanhou esta mudança. As cassetes que passaram a CD’s e DVD’s. O evolução do telemóvel e do mundo em que se tornou a Internet.
Parte da minha infância foi dedicada ao Walkman. Lembro-me do gozo, e da simultânea irritação, de andar com a cassete para trás e para frente, na tentativa de escrever a letra das músicas. Estragava a fita, tal era a utilização exagerada, mas facilmente reparava a cassete, como uma simples caneta. Tanto tempo e carinho nutridos, não me deixaram aceitar o Discman de bom grado. Num par de dias reconheci a virtude dos CD’s, pois facilitavam a minha carreira, enquanto cantora. É que, por norma, a capa trazia a letra de todas as canções. Rendida, comecei a fazer uma colecção, digna de inveja. “Tenho-os todos” – e reforçava com um sorriso. E ainda tenho, só que agora oiço os meus artistas preferidos no MP3, já desactualizado para a função.
A tendência de redução do formato tecnológico acentuou-se e atingiu as cassetes de vídeo, que deram lugar aos DVD’s. Para mim, esta mudança marcou também o fim das minhas idas ao videoclube, das conversas com o Sr. Raul sobre as últimas novidades e realizadores, que me levavam sempre a alugar mais filmes do que pretendia. Terminavam assim as maratonas de cinema, para conseguir cumprir o prazo de 24 horas para devolução e isenção de multas. Hoje, posso alugar um filme com um simples carregar de botão, mas o comando não me devolve as longas conversas com o Sr. Raul.
Herdei o primeiro telemóvel da minha mãe, em tamanho tijolo, com uma antena que fazia o dobro do seu tamanho. Olhava para os meus amigos, que já tinham um de geração mais avançada e sentia um misto de emoções. Por um lado, era uma vergonha andar com um telemóvel assim, quando todos já tinham um de tamanho mais comedido. Por outro, era o meu primeiro telemóvel, um objecto que me permitia telefonar e mandar mensagens a quem estava distante. Maravilhoso, pioneiro e futurista! E de futuro, ninguém imaginaria que a evolução passasse além da forma, na ausência de teclado até aos dias de hoje existirem relógios para o efeito. Talvez um dia venha a ser implantado em nós.
Por escrever em implantado, qual é coisa qual é ela que já ninguém consegue viver sem a sua existência?
A Internet foi a mãe das invenções, porque permite compilar todas as funcionalidades acima descritas e muito mais. Através dela, podemos assistir a videoclipes de artistas. Conhecer a história. A pública, a privada e aquela ainda por descobrir, mas que a Internet já conta. Podemos aceder a discografias completas. Assistir a todos os filmes. Os lançados e, com alguma sorte e dedicação, aos que ainda estão por exibir. Podemos, ainda, comunicar com quem quisermos, mesmo sem ter telemóvel. Ver as pessoas, enquanto falamos, e tudo isto sem sair de casa.
Como já deve ter percebido, este é um artigo que está longe de ser convencional. Espero que no decorrer de sua leitura já tenha concluído qual o maior problema da evolução tecnológica do mundo em que vivemos. Por muito que nos tenha facilitado a vida, retirou-nos qualidade no tempo em que convivemos com as pessoas. Tornámo-nos numa extensão da máquina. Decerto que já reparou em grupos que não se olham entre si e cujo olhar não se desvia do ecrã. Certamente que já se deu conta de fazer o mesmo. Que atire a primeira pedra e só existirão telhados partidos. Todos nós, em algum momento, já caímos neste cliché. A tecnologia é demasiado tentadora para o que não deve. Sabemos ter relações virtuais e estamos a desaprender as reais. Tem-nos roubado a humanidade, na verdadeira acessão da palavra.
O poder e potencialidade têm de ser quanto-baste e não nesta proporção desproporcionada que lhe concedemos. Andamos simbióticos com aparelhos e afastados das pessoas. E enquanto andarmos de candeias às avessas, o mundo pode ser tecnologicamente avançado mas nós só estamos a retroceder. A passos largos.