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Um “Não” Escocês que pode ser um “Sim”

As relações Escócia-Inglaterra nunca foram as melhores. Houve guerras, regicídios, desconfianças, conflitos religiosos. É uma relação de amor e ódio, que dura há três séculos, com a unificação dos parlamentos, através do Acto e Tratado de União de 1707. Ao negociar a união, a Escócia manteve parte de sua autonomia em pontos importantes, como um sistema judicial autónomo e uma igreja oficial própria. Os ingleses são anglicanos, enquanto os escoceses são presbiterianos. Antes mesmo de existirem como reinos, Inglaterra e Escócia já guerreavam. No século XII, num período de formação de tribos e clãs, escoceses de kilt lutavam contra ingleses de armadura, que, com a sua força territorial e militar, os ingleses subjugaram os escoceses. Entre os séculos XII e XVII, os confrontos entre os dois forjaram heróis da resistência escocesa, como William Wallace, o ídolo da Guerra de Independência Escocesa. Estes movimentos nacionalistas que, através de várias reivindicações, conseguem, em 2011, que se realize um referendo sobre a independência da Escócia. A 18 de Setembro, o país votou e manteve-se no Reino Unido, com 55.3% dos votos terem recaído no “Não”.

Este voto representa o nascimento de uma nova Escócia, com mais poderes, com mais autonomia, mas ainda ligada ao parlamento de Westminster e, mais importante ainda, ligada à Rainha. “Que nenhum nacionalismo separe aquilo que construímos juntos. A Escócia não pertence ao Partido Nacionalista Escocês, nem a nenhum político. A Escócia é de todos nós. Combatemos juntos duas guerras mundiais, não há nenhum cemitério na Europa onde soldados ingleses, escoceses, galeses e norte-irlandeses não estejam lado a lado. E não só ganhámos a guerra, como construímos a paz juntos, críamos o Serviço Nacional de Saúde (NHS) e o Estado social juntos”, declarou Brown, do Partido Trabalhista. David Cameron admitiu andar nervoso. Quase chorou, quando foi a Edimburgo pedir aos eleitores que não votassem no “Sim” à independência da Escócia. “Ficaria com o coração partido, se esta família de nações que reunimos e com as quais fizemos tantas coisas se separasse”, disse o primeiro-ministro britânico, “quase em lágrimas”, reportou o The Guardian. Porém, para o Reino Unido, tem um significado totalmente diferente. É uma chamada de atenção, já que a União não está equilibrada e é preciso corrigir o desequilíbrio. Paul Gillespie, ex-editor de Política Internacional do jornal Irish Times, tem uma visão interessante sobre o significado deste referendo: “os laços (característicos) de Império, guerra, protestantismo e bem-estar que a manteve (a Grã-Bretanha) unida, durante o século XX, desfizeram-se e não foram substituídos por uma narrativa alternativa convincente”, escreve.

A Escócia há muito que era negligenciada por Westminster e isso fez-se sentir, durante a campanha. Não foi em vão que os líderes dos três maiores partidos com representação no Parlamento na Inglaterra se uniram e disseram que, se o voto fosse a favor da permanência na União, iriam devolver mais poderes à Escócia. O escocês Gordon Brown assegurou num discurso em Fife, no leste escocês, que as promessas de mais autonomia à Escócia serão cumpridas e pediu que haja trabalho pela unidade da região. De acordo com o político trabalhista, considerado o pilar da vitória do “Não”, o documento que os líderes assinaram inclui a promessa de elaboração de uma lei sobre a autonomia da Escócia, que deverá estar pronta no final de Janeiro. Além de Brown, o documento, que foi apresentado no dia 22 de Setembro na Câmara dos Comuns, foi assinado pelo primeiro-ministro britânico, o conservador David Cameron, o líder da oposição trabalhista, Ed Miliband, e o vice-primeiro-ministro, o liberal-democrata Nick Clegg. Alex Salmond, o First-Minister demissionário escocês, revelou que a possibilidade de votar colocou o país “numa posição muito forte”, mas revela o seu cepticismo em relação à promessa de Londres de uma maior transferência de poderes para Edimburgo, consagrada, para algumas áreas administrativas, através da medida “devolution maximum“.

Considero que a vitória do “Não” se deveu principalmente à incapacidade de uma resposta definitiva do primeiro-ministro escocês, Alex Salmond, no tema da moeda. Salmond queria manter a libra como moeda na Escócia, mas o Reino Unido opunha-se. Aliado a isto, é também de considerar as ameaças feitas por empresas como o Royal Bank of Scotland de, em caso de vitória do sim, mudarem as operações para Inglaterra. Para além disso, a própria ideia de independência não foi bem aceite na Escócia, visto que, desde 2011, que apenas 4 sondagens deram a vitória do “Sim”. O Guardian esmiuçou as sondagens e notou que 58% daqueles que dizem que vão votar “Não” admitem que pesa mais na sua decisão o receio pelas consequências do “Sim” do que algum tipo de esperança num futuro de permanência no Reino Unido. É interessante observar que a tendência é contrária nos apoiantes da independência: 80% diz que a esperança no futuro pesou mais do que o medo de ficarem na situação actual. Uma divisão que parece mostrar que a vitória do “Não” é motivada mais por medo das consequências do que por os escoceses acharem que é um boa solução. Outra conclusão das sondagens é que mais de sete em cada dez escoceses tomaram a sua decisão com base em factores práticos e não em questões relacionadas com identidade nacional. Um aspecto muito relevante nesta disputa é a opção política que os escoceses têm feito historicamente. Desde 1935, a Escócia não vota em governos conservadores e, justamente em função de ser parte do Reino Unido, acabou governada por conservadores, na medida em que sucessivos primeiros-ministros do partido têm assumido o controlo político em Londres. Na prática, ao contrário de muitos dos movimentos que buscam independência em todo o mundo, o caso escocês é um pouco diferente. É utópico como os demais, mas distinto na medida em que não se ampara exclusivamente no discurso nacionalista. Há a ideia de valorização da cultura escocesa, mas um dos focos principais é o fato de a Escócia não se alinhar ideologicamente às decisões políticas da Inglaterra.

Como o histórico de divergência já é bastante extenso, não foi o resultado que muitos desejavam, mas foi o resultado que se previa. Foi também (e tem sido o ponto focal de muitos jornais) uma grande lição de democracia e participação política. Aliás, uma das maiores reivindicações dos escoceses era democrática. Estavam insatisfeitos por terem elegido apenas um deputado conservador e por, não obstante, serem governados pelos tories de David Cameron. A Escócia tem cinco milhões de habitantes, contra 54 milhões de ingleses, fazendo com que a balança penda sempre para os vizinhos do sul. Existe, claro, um perigo de divisão, já que dois milhões de escoceses vão viver num regime que não escolheram. No dia decisivo, quem resolveu foram os escoceses silenciosos, os que durante a campanha não se manifestaram nas ruas, mantendo a tradicional discrição britânica. “Os mudos falaram”, a frase da noite, cortesia de Alistair Darling, líder da coligação “Better Together” (Melhor Juntos). Agora é esperar para ver que medidas são tomadas por Westminster e Edimburgo.

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