Poucas vezes o trabalho me proporcionou momentos de verdadeiro prazer. Assim, tendo que me socorrer dos tempos livres para equilibrar o meu “índice médio de felicidade”, é fácil recordar episódios em que algo de extraordinário me levou além do “mesmo de sempre”.
Em 2008 – era eu estagiário na empresa onde trabalho – mandaram-me com uma equipa de consultores de engenharia analisar a viabilidade de alguns locais para a construção de pequenas centrais hídricas.
Foi assim que, pela primeira vez na vida, me vi a caminho do Parque Natural da Peneda (pelo Gerês já havia passado uma vez, a caminho de Montalegre). Numa carrinha de caixa aberta, partimos estrada fora na madrugada de uma quarta-feira (sei-o porque me lembro de regressar numa sexta já tarde). O dia estava chuvoso e fomos directos para o terreno. Lembro-me de uma geóloga e de um engenheiro mas não dos seus nomes. Recordo, sim, o nome do terceiro elemento, António Alves, cinquentão, bem-humorado, cara larga, alourado e de olhos azuis, a puxar para o gordo com aquele jeito desbocado/inocente/divertido que fez dele o único companheiro de viagem de quem retive o nome.
Vejo-o descer uma ladeira e começar a correr mais do que as pernas podiam acompanhar “esbardalhando-se” numa cambalhota em plano inclinado enquanto eu o observava de cima: levanta-se, sacode as mãos das quais nenhum pedaço de terra lamacenta se soltou e olha para mim a sorrir “G’anda tralho”.
Andámos ao longo de rios: o Lima, onde passámos por uma das mais bonitas e impressionantes barragens de Portugal – o Alto Lindoso; e o Castro Laboreiro, junto do qual encontrámos um “sénior” que nos falou dos tempos em que ajudava espanhóis a passar a fronteira a salto nos tempos da Guerra Civil. Vinham do outro lado do rio, daquela Espanha tão diferente da de 2008.
Jantámos em Arcos de Valdevez, passámos por espigueiros (de Soajo mas não só) – marca indelével do norte de Portugal e da Galiza – e assentámos numa estalagem que era tudo menos o que esperávamos: pelo Hotel de Nossa Senhora da Peneda passava uma cascata vinda da montanha que nos abrigava. Do outro lado encontrava-se o pequeno santuário, uma espécie de Bom Jesus em miniatura no meio do nada: um refúgio como eu nunca antes vira. Numa altura em que a comida saudável ainda não era moda, o pequeno-almoço surpreendeu-nos levando o amigo António Alves a dizer que eles não tiveram grande atenção quando reservaram um sítio destes. Percebi o que ele quis dizer e no seu jeito destravado, foi genuíno, tal como quando passámos por uma manada de vacas (cujos chifres pareciam enxertados de veados) e ele abriu o vidro da carrinha (estava no lugar do morto) e disse para um dos animais: Ó sua vaca! Escrito desta forma falta-lhe a graça mas estas palavras na boca daquele personagem naquele fim de tarde minhoto ajudaram a construir a minha primeira viagem à Peneda.
De forma alguma, o parque superou a expectativa paradisíaca que eu levava na bagagem, mas, com o tempo, a beleza do lugar por onde passeei a trabalhar foi-se formando nas evocações que, amiúde, fui fazendo (como neste momento em que escrevo) daqueles três dias e duas noites. E apetece-me sempre voltar. Não creio que nesta descrição a memória me pregue partidas: a estalagem é mesmo um lugar maravilhoso. Posso não saber quando, mas sei que voltarei.