This is my dinner (Sun Kil Moon)
Mark Kozelek é indubitavelmente talentoso, mas este seu novo álbum com os Sun Kil Moon – que são, no fundo, a tela autoral do artista norte-americano, cujo movimento e direção estão à mercê dos seus devaneios criativos – é indubitavelmente chato. Já lá vão quinze anos desde o álbum de estreia do grupo, Ghosts of the Great Highway (2003), e quatro desde o aclamado Benji (2014), mas tudo o que vem de Kozelek atualmente parece já uma tentativa presunçosa de contar a sua vida, como se isso, por si só, fosse interessante.
Infelizmente, nem tudo o que sai “fora da caixa” e se apresenta como conceptual pode ser levado a sério. This is my dinner é prova disso mesmo: os Sun Kil Moon dão histórias e mais histórias através de cada uma das dez faixas do álbum, é facto, mas a originalidade da prosa – nada poética – falada, mesmo sendo dita por uma voz imponente como a de Kozelek, não é suficiente para prender o ouvido de quem vai à procura de, certamente, mais do que isso. Através de um instrumental monótono, às vezes até quase omisso, o “diário de bordo” dos Sun Kil Moon chega banal e desinteressante em quase todas as canções, inspiradas num digressão europeia feita pelo grupo. “This is not possible“ é um relato mundano sobre os “sim” e os “não” ditos a Kozelek durante a sua passagem pela Alemanha; “This is my dinner“ conta algumas peripécias vividas na Noruega, nomeadamente o episódio em que uma rapariga o masturbou e foi apanhada pelo namorado; “Linda Blair“, uma das faixas mais bizarras, é uma história passada a bordo de um avião no qual o vocalista está sentado ao lado de uma menina que tosse muito e faz alguns barulhos durante a viagem (os quais compara com os de Linda Blair em “O Exorcista” – e faz questão de imitar).
Enfim, This is my dinner é um álbum cansativo. No meio de tanto texto, procuramos saber algo mais que a mera junção de palavras não resolve, porque se limita a contar vivências sem qualquer importância, numa moldura que a realça como sendo importante – e nos ilude. A vida do artista não é interessante por si só; aliás, à partida, não tem interesse nenhum – e cabe à parte artística de cada um/a fazer com que esta se torne maior do que si própria, ou simplesmente empatize com as vivências de outros. Em “Candles“, Kozelek diz “Stockholm would be my first choice for a european second home” e, depois, devaneia sobre um sonho que teve, em que se viu a morar na cidade sueca na altura do Natal; em “Soap for joyful hands“, o relato é sobre meias – como o vocalista as tratou, lavou e secou enquanto estava num hotel, basicamente.
Talvez o mais importante a absorver sobre este álbum seja o que tem de melhor: “David Cassidy“ e “Chapter 87 of He“. Curiosamente, ambas as canções são sobre outras pessoas, em vez de relatos secos e egocêntricos como acontece com grande parte do álbum. A primeira é uma homenagem ao ator e cantor norte-americano, David Cassidy, que faleceu durante a tour do grupo – “David Cassidy made us happy when we were little girls and boys. So for David Cassidy right now everybody make some fucking noise”. A segunda é um bonito texto, que na verdade é o capítulo 87 do livro He, de John Connolly, um autor irlandês que é amigo de Kozelek, e que encaixa que nem uma luva na spoken word que vigora neste disco. “Rock ‘n’ roll singer“ também marca pela positiva, com um instrumental mais presente e os silêncios necessários.
Rainbow Valley (Matt Corby)
Com este disco, Matt Corby veio para ficar e já parece ter menos amarras. Depois do sucesso de Telluric (2016), o seu primeiro álbum, e da internacionalização do seu nome e das suas canções – como “Monday” e “Brother” -, o australiano regressa num registo mais alegre e bem resolvido, sem facilitar na produção e nos arranjos.
Mantendo aquela sonoridade que já lhe conhecemos, com toques transcendentes que surgem da mistura entre o instrumental e as suas danças vocais absolutamente comoventes, Corby traz mais serenidade. Talvez a paternidade, que experienciou pela primeira vez durante a gravação deste disco, tenha sido um fator determinante; mas também é possível que este seja o resultado de um processo de autoconhecimento natural, que aconteceria de qualquer maneira após ter vivenciado as “luzes da ribalta“.
Rainbow Valley é um daqueles álbuns que pode ser ouvido nos mais variados momentos da nossa vida ou do nosso dia. Cada faixa vem acompanhada de um registo muito próprio que, sem colocar a coerência do alinhamento em causa, torna o disco numa experiência muito mais completa – e o mérito é mesmo de Matt Corby, que tocou e escreveu todo este trabalho. “No ordinary life“ mostra um autor grato pela vida simples que leva e gosta de levar, sem barreiras ou cortinas que sejam impedimento para que a considere extraordinária; “All that I see“ é uma das melhores faixas do disco, vestida com uma sonoridade moderna e atual, cheia de groove – como tantas outras do álbum – e com uma mensagem esperançosa sobre aproveitar a vida, sem artifícios;“All fired up“ começa como uma balada ao piano, mas depois é preenchida com coros e percussão na medida certa, o que nos permite continuar embalados/as pela letra – uma autêntica declaração de amor e compromisso.
“Elements” é outra glória deste álbum: groovy, com o piano psicadélico dos The Doors a dar uma espreitadela bem firme e a garantir que quando Corby canta o início do seu refrão, “All the things I do have an element of you”, já a canção nos conquistou por completo. A faixa que dá nome ao trabalho discográfico do australiano, “Rainbow Valley“, encerra-o com a vibe que se sente ao longo de tudo o que a antecedeu. Ouvem-se pássaros a chilrear, depois de uma letra que fala de assentar e aproveitar a natureza – “All I want / Is to get out to the country / Where everything is green / And the blues don’t follow me”. Este é um álbum que, sendo moderno, parece vintage em alguns momentos, e sendo apenas o segundo da carreira de Corby, passa perfeitamente por um trabalho de alguém com mais anos de repertório.
Rosa (Luísa Sobral)
O primeiro disco depois da vitória da Eurovisão poderia, de alguma forma, ser uma “escorregadela” na carreira de Luísa Sobral. Felizmente, não foi. “Rosa” veio no momento certo e trouxe consigo a doçura amadurecida de uma artista que não tem medo nenhum da simplicidade, dos silêncios e de uma entrega que recomeça em cada letra.
As canções são simples, sem artifícios, e falam de amor: o romântico, o fraterno e, claro, o materno. Sobral foi mãe pela segunda vez, pouco antes do lançamento do disco, e esteve grávida durante toda a composição do mesmo. O título, Rosa, também não é fruto do acaso, tendo em conta que esse é, também, o nome da sua filha.
Integralmente em português, este trabalho discográfico traz certezas sobre Luísa: é dos seus que retira grande parte da “inspiração” para criar, mas prefere continuar a deixar essa porta fechada quando esta não se foca na sua música. “O melhor presente” não podia ser mais autobiográfico – “os irmãos mais velhos são os heróis do batalhão da nova geração (…) O colo de uma mãe aumenta quando chega alguém“. Esta é, claramente, uma canção escrita para o seu primeiro filho, que recentemente se tornou irmão mais velho, tal como Luísa é de Salvador Sobral. “Dois namorados” explora a imprevisibilidade do amor, em sintonia com um dedilhado de guitarra elétrica e, a dado momento, com um coro de segundas vozes a cappella. “Só um beijo” marca uma faixa decisiva no álbum, uma vez que é interpretada com Salvador Sobral e junta, assim, de novo, a dupla que pela primeira vez possibilitou a Portugal a vitória da Eurovisão (2017). Felizmente, com a essência de ambos, numa entrega completa, “Só um beijo” acaba por ser um dos pontos altos do disco.
O restantes destaques vão para “Querida Rosa” e a sua guitarra portuguesa (que pode, na realidade, ser apenas uma sensação aparente, provocada por marotas cordas de nylon); “Envergonhado“, que é uma composição maravilhosamente bem escrita; e “Nádia“, a história comovente de uma mãe que parte com dois filhos nos braços, com “uma viagem sem fim” para completar, e que ecoa numa interpretação que leva o nosso imaginário até às mulheres refugiadas.