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O imparável Trump?

Um dos princípios fundamentais da democracia americana é o conceito de checks and balances, que corresponde ao equilíbrio de poder entre as principais instituições do sistema político dos Estados Unidos da América. O objetivo do modelo é garantir que cada instituição tem uma função específica neste contexto, evitando uma concentração exagerada de poder num único ramo e possíveis promiscuidades políticas neste domínio. Assim, o exercício do poder legislativo, executivo e judicial encontra-se disperso por três ramos distintos, no caso o Congresso Americano, a Presidência dos EUA e o Supremo Tribunal (e outras instâncias inferiores), respetivamente. Desta forma, cada ramo do governo está configurado para equilibrar as decisões tomadas pelos restantes, o que previne uma condução unilateral da política americana. A arquitetura institucional americana foi desenhada de raiz com este propósito, tal como esclarece James Madison no n.º 51 dos The Federalist Papers. A morfologia do sistema político americano, tal como descrito atrás, justifica a importância das eleições intercalares que decorrem no próximo dia 6 de novembro.

Em primeiro lugar, estas eleições são importantes, porque nos lembram que já passaram dois anos desde que Donald Trump foi eleito. É uma questão meramente emblemática, mas justifica-se pelo menos uma comemoração à continuação da espécie humana no planeta terra: afinal, contra todas as expetativas, Trump ainda não mandou tudo pelos ares! Em segundo lugar, e muito mais importante, esta ocasião permite ao eleitorado americano mudar por completo a configuração do Congresso Americano, quer na Câmara dos Representantes, quer no Senado. Ambas as câmaras representam um papel fundamental no processo legislativo, seja ao apoiar ou frustrar as intenções do Presidente – e, como ambas estão sob controlo do Partido Republicano, Donald Trump conseguiu avançar a sua agenda com relativa facilidade. Porém, estamos perante um caso onde o cenário político se pode inverter drasticamente: há a hipótese dos Democratas alcançarem a maioria em ambas as instâncias legislativas, sendo que se afigura muito provável que o façam na Câmara dos Representantes.

A câmara baixa do Congresso Americano vai a eleições de 2 em 2 anos – o que obriga os representantes políticos a serem particularmente eficazes em agradar o seu eleitorado – e, para alcançar maioria, um partido deve obter 218 lugares. Por agora, existe uma probabilidade relativamente elevada de se confirmar uma vitória do Partido Democrata na Câmara dos Representantes. Além de aumentar consideravelmente a capacidade de travar as iniciativas do Presidente Trump, conquistar a câmara baixa dá aos Democratas a possibilidade de influenciar a agenda legislativa de forma decisiva. Apesar de não haver nenhuma manifestação oficial nesse sentido, qualquer intenção de avançar com um processo de impeachment a Donald Trump começaria nesta instância do sistema político americano. Por outro lado, os Democratas podem usar esta maioria para dinamizar o debate em torno da influência russa nas eleições de 2016, o que poderia complicar a vida do atual Presidente americano.

No Senado, ao contrário da câmara baixa, os mandatos duram 6 anos, de forma a garantir alguma estabilidade ao Congresso. Ainda assim, continua a ter eleições com a mesma periodicidade: cerca de 1/3 da câmara alta vai a votos de 2 em 2 anos, sendo que este ano há 35 lugares em disputa (alguns deles são eleições especiais por reforma dos atuais representantes). Aqui a tarefa do Partido Democrata é hercúlea…a grande maioria dos lugares que vão a eleições são atualmente detidos pelo próprio partido, ou seja, além de garantir que mantém todos os Senadores que colaboram com o partido[1], os Democratas devem ainda conquistar 4 outras vagas. Isto significa ganhar 30 dos 35 sufrágios do próximo dia 6, o que parece altamente improvável. Portanto, o Partido Republicano deve manter a sua vantagem numérica no Senado – até porque, se no final das eleições intercalares houver um empate de 50 senadores para cada lado, está estipulado que quem desbloqueia a votação é o Vice-Presidente, neste caso Mike Pence do Partido Republicano.

As eleições midterm representam, geralmente, uma reação à Presidência vigente. A taxa de participação é mais reduzida do que em ano de eleições Presidenciais, sendo caracterizada, sobretudo, pela afluência de quem se manifesta contra a atual administração, o que favorece a transição das maiorias de um Partido (o que está no poder), para o outro (de momento na oposição). A título de exemplo, Obama perdeu a maioria na Câmara dos Representantes em 2010, nas intercalares do seu primeiro mandato, e perdeu a maioria do Senado em 2014, nas intercalares do segundo, o que limitou as suas intenções. Por agora, Trump está em risco de, tal como o seu antecessor, ficar em minoria na câmara baixa após as primeiras intercalares. O Senado deve manter a maioria republicana, ainda que, tal como referi anteriormente, isso também seja influenciado pelo volume de lugares em disputa que atualmente pertencem ao Partido Democrata. 2018 dificilmente será um ano tão marcante como 2016, para os EUA e todo o mundo; ainda assim, tal como deveríamos ter feito então, é melhor não confiar em demasia na futurologia e esperar pela noite eleitoral.

Uma nota paralela

Porque sou aficionado de novas tecnologias e da sua relação com política, não posso deixar de notar uma notícia importante à margem dos resultados da eleição: o Estado da Virgínia Ocidental desenvolveu uma app móvel que permite votar a partir de smartphone, uma opção limitada, por agora, aos cidadãos que estão a viver noutro país, facilitando o exercício do direito de voto. O sistema verifica duplamente o utilizador, primeiro através duma identificação gerada pelo governo americano, depois através duma selfie que comprove a compatibilidade facial. Naturalmente, no rescaldo da alegada interferência russa nas eleições de 2016, existe muito receio em torno desta decisão, uma vez que não há nenhuma garantia absoluta que o software utilizado está isento de fragilidades. A utilização deste método para permitir o acesso de quem está impossibilitado de participar de forma tradicional é razoável, mas a discussão deve ultrapassar este domínio: a melhor forma de estimular a participação é facilitar o voto? Uma porção considerável da abstenção não se deve, com toda a certeza, aos entraves em chegar ao boletim de voto, mas sim ao descontentamento com as alternativas políticas.

[1] Atualmente existem dois Senadores independentes que se alinham politicamente com o Partido Democrata. Um deles é o reconhecido candidato às primárias do Partido em 2016, Bernie Sanders, que tem a sua vaga praticamente assegurada.

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