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O charme da Margem Sul

Os rios, correntes de água que atravessam todos os tipos de acidentes geológicos, possuem duas margens: a margem direita, aquela que se encontra, naturalmente, mais protegida dos ventos e das intempéries, aquela que habitualmente é propícia à formação das cidades e a margem sul, a mais agreste, a que tem que enfrentar as adversidades e que acaba por ser a maior vencedora.

Lisboa sempre foi um local cobiçado pela sua excelente localização. Um porto privilegiado que acolheu tantos povos e tantas civilizações. Todas as idades históricas encontraram poiso neste local acolhedor e propício ao desenvolvimento. Na época pré-romana, nos séculos VIII-VII a.c., viviam entre 2500 a 5000 pessoas na encosta do castelo. Foram estes que negociaram com os Fenícios. Júlio César eleva-a a município romano, denominando-a de Felicidade Júlia. O nome de Olisipo relaciona-se com a lenda do herói Ulisses e as 7 colinas são fruto duma mordida de cobra. Cada colina representava as dores sentidas.

Esta é a capital do país e foi, igualmente a do reino, antes de ser implantada a República. Curiosamente não existe documento algum que confirme que esta cidade seja a principal, a sede. De qualquer dos modos não foi isso que impediu que se tornasse a mais importante e mais desenvolvida. Foi no seu porto que desembarcaram as naus provenientes da Índia, foi nas suas ruas que tantos banqueiros se instalaram e foi nessa mesma cidade que se construiu um aeroporto onde nunca houve acidentes de maior.

No entanto o outro lado era mais interessante, mais apelativo e mais desejado. Eram novos ares, menos pesados, porque as suas gentes eram mais puras, um eufemismo para analfabetas e incultas, permitindo que as vistas fossem mais suaves, povoadas de belos terrenos e paisagens. Almada, altaneira, olhava com desdém para a cidade grande chamando a atenção para a sua mina de ouro que foi explorada até à exaustão.

O sul tinha um íman que atraía todos aqueles que eram possuidores de um dom, de uma característica particular, uma sensibilidade diferente. Eram as quintas, os locais paradisíacos que falavam mais alto e que deram bons ares e bastardos suficientes, aos reis de várias dinastias. A expressão “estar nas suas 7 quintas” surgiu por aqui. A família real era dona de várias propriedades onde se cultivavam produtos variados. Aí se encontravam vinhas, olivais, pomares e hortas que forneciam as melhores mesas do reino.

Piedade, Outeiro, Romeira, Alfeite, Quintinha, Antelmo e Bomba eram os seus nomes e as sementes foram dando frutos. É bem provável que existam pretendentes ao trono por estas bandas, mas devem ficar somente pelas intenções. A rainha D. Amélia nunca gostou de viver em Portugal, mas o único local onde se sentia acolhida e confortável era na Quinta do Alfeite. Lá desfrutava das vistas sobre o Tejo e sobre a cidade de Lisboa bem como das sinfonias canoras, que eram habituais. Mais tarde recordou, com alguma saudade, essa zona que lhe deu tranquilidade e repouso. Entretanto D. Carlos caçava todas as moças que encontrava. Os troféus seriam um pouco diferentes do que se esperaria.

Ser da Margem Sul acaba por ser um estatuto especial. Primeiro, porque existe o estigma da delinquência e da marginalidade e, de seguida, porque simbolizava alguma ausência de poder económico. Preconceitos que se foram arrastando. Uma visita permite verificar que é uma zona multi-racial e que são frequentes os casais multiculturais o que significa uma mistura fabulosa de cores, sabores e tradições.

Os nomes Rui Unas, Rita Marrafa de Carvalho, Jorge Picoto, Sérgio e Nelson Rosado, Cláudia Mergulhão, Pedro Teixeira e Diogo Morgado dizem-lhe alguma coisa? Já ouviu falar deles? Todos criados no outro lado do rio, naquela margem que se demarca e se impõe pela diferença e atitude. Alguns decidiram manter-se do mesmo lado do rio, o que prova que as suas raízes são fortes e profundas. Sesimbra, Fonte da Telha, Costa da Caparica, Meco e outras tantas, são praias bem conhecidas e frequentadas. Na Margem Sul. Exactamente. Também foi desse lado que se construiu um enorme centro comercial, o Almada Forum, encruzilhada de convívio e abastecimento, para muitos.

Usando um pouco de ironia, deve ser uma espécie de céu que aí está implantado. Não entendeu? Os irmãos Rosado são conhecidos por serem “Os Anjos”, donos de uma simpatia e humildade raras e o Diogo Morgado fez o papel de Jesus Cristo num filme mediático. Que mais argumentos são necessários para se convencerem que é um local paradisíaco? Por algum motivo insistem em ficar. A relação económica funciona em sentido inverso pois os preços praticados são de todos os níveis e para todas as bolsas.

A música não ficou esquecida, de modo algum. Os Alcolémia e os Ramp são filhos da casa e com muito orgulho. Nascidos de brincadeiras entre amigos e encontros de bandas de garagem, ganharam uma outra dimensão e chegaram a um país inteiro. Por algum motivo a Festa do Avante está, de armas e bagagens, na margem esquerda. A certa e adequada para a função. Todos os anos recebe uns milhares de fiéis que não arredam pé até ao final.

Ainda se recorda dos concursos de beleza, as chamadas Misses? Grande parte das escolhidas eram desta margem. Apesar de serem conhecidas por desfilarem na passadeira e por viajarem para a sua representação, tal não as impediu de serem pessoas vulgaríssimas e que se dedicavam ás actividades que qualquer comum dos mortais pratica, como varrer o chão do café dos pais. Humildade acima de tudo.

As belezas naturais são o cartão de visita e a Baía do Seixal, com os seus flamingos, uma mais valia do concelho. Lisboa está a uns míseros 15 minutos por barco e talvez se inveje da tranquilidade que se goza do outro lado. Há um barco onde se pode almoçar, inúmeras esplanadas e a recuperação de uma importante fábrica que dá cartas na restauração e no lazer. As antigas embarcações típicas do Seixal foram recuperadas pela Câmara e são organizados passeios abertos a toda a população.

A Siderurgia Nacional, ainda em laboração, situa-se em Paio Pires e foi um marco da industrialização. Existem alguns museus, sendo o mais emblemático o que está localizado no rio Judeu. Foi nesse mesmo local que as embarcações para os Descobrimentos foram construídas e a arte ficou até hoje. Registada. Na Torre da Marinha pode ser vista a primeira máquina a vapor que se usou neste país. Ainda funciona, mas é somente uma peça de museu. Arqueologia industrial conservada.

Outro apontamento curioso são os moinhos de maré. As águas eram aproveitadas para movimentar as mós, o que ainda sucede, mas mais por carolice do que por aproveitamento económico. O Moinho de Maré de Corroios ainda funciona e está patente ao público. Foi pertença de Virgínia Camões que, segundo consta, era casada com o poeta. Outros existem, mas não estão recuperados. Vasco da Gama e seu irmão, Paulo da Gama eram proprietários de vários moinhos.

Já está desperta a curiosidade? Ainda são necessárias mais evidências para que se renda a esta faixa do país? Por algum motivo a maior parte dos nascidos deste lado persistem e ficam, de pedra e cal, não renegando as suas raízes e passando a mensagem para os seus descendentes.

Um país não é só a capital. É composto de várias cidades, de vilas e de aldeias que prefazem um todo em que se encaixam as várias mentalidades e formas de viver. Sem o campo seria impensável a vida e a cidade continua a chamar. Margem Sul, a mistura equilibrada dos dois mundos que se amam e odeiam, mas que não podem viver um sem o outro.

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