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O carteiro de Pablo Neruda, um filme obrigatório

Sempre tive aquele terrível defeito de escolher o filme, ou o livro a partir do título, ou da imagem estampada na capa. Dá-me um certo gozo ir às estantes, seja na biblioteca, seja em casa, e retirar aleatoriamente um deles, avaliar o impacto que tem sobre mim, se é ou não amor à primeira vista e só depois decidir se avanço na aventura de conhecer as suas histórias. No fundo, gosto de ser surpreendida. O que nem sempre corre bem, confesso, mas na maioria dos casos resulta numa agradável experiência. Recentemente este meu vício levou-me à história tocante de O Carteiro de Pablo Neruda. Um filme que muito dificilmente vou esquecer, não por ter sido o primeiro a assistir no reformulado Cine Teatro João Verde, depois de já estar aberto ao público há sensivelmente seis meses, mas por me ter feito reflectir sobre a importância de nos interligarmos uns com os outros, para alcançar o tão desejado autoconhecimento.

No fundo, o enredo do filme de Michael Radford foca-se na amizade inesperada entre um carteiro italiano (Massimo Troisi), humilde, filho de um pescador analfabeto e o conhecido poeta chileno Pablo Neruda (Philippe Noi), comunista, exilado do seu país. A aproximação entre estas duas personagens, oriundas de realidades opostas, é feita aos poucos pelo próprio carteiro, que se mostra interessado em descortinar os segredos da poesia deste famoso poeta, que tem a capacidade de arrebatar o coração das mulheres.

O interesse agrava-se, quando ele próprio se apaixona por Beatrice Russo (Maria Grazia). Sem saber como expressar o seu amor pede ajuda ao poeta. É, então, que começa a dedicar-se à poesia e a declarar poemas à sua amada. “O teu sorriso espalha-se pelo teu rosto como borboletas. O teu sorriso é como uma rosa, uma lança descoberta, é o bater das águas. O teu sorriso é uma onda prateada repentina”.

O carteiro de Pablo Neruda_imagem1Por diversas vezes, a tela é inundada pelas mágicas palavras de Pablo Neruda, que sem querer revoluciona a vida do seu mais recente amigo e de toda a pequena comunidade. “A poesia não se explica, sente-se”, como refere o poeta, mas pertence a todo aquele que a escuta, que a lê e que a sente, desde o mais culto ao mais inculto, como prova na perfeição esta obra-prima do cinema italiano.

O carteiro de Pablo Neruda, não é só um belo tributo à poesia, é também um filme sobre política e sobre as artimanhas dos políticos que prometem muito, mas pouco, ou nada, cumprem. O maior mérito desta obra de arte é o de atingir a difícil tarefa de transpor na totalidade para cinema um retrato do ser humano de forma coerente perante dois aspectos brutalmente antagónicos da sua natureza: a beleza onírica das palavras poéticas de Neruda personificadas na ingenuidade de Mario Gimenez e a brutalidade do mais vernáculo que temos, no pensamento, no sentimento e na linguagem. É esta dicotomia que, como “ídolo” que Neruda é, a influência do escritor vá mais longe e leva o carteiro a tornar-se também comunista, ditando o seu fim.

Estamos diante de uma “pérola” da sétima arte, como já li em algum lado, pela envolvência que cria com o espectador, pela mensagem que transmite, por se tratar de um hino claro à poesia e o mais espantoso – sem precisar de efeitos especiais. Uma história ternurenta que não deixa ninguém indiferente, independentemente da faixa etária. A plateia do Cine Teatro João Verde era prova viva disso mesmo, composta por jovens dos 18 aos 80 anos.

Não posso deixar de fazer uma referência à excelente interpretação de Massimo Troisi, que acabaria por falecer de ataque cardíaco apenas 12 horas após o fecho das filmagens. Mesmo sabendo que era doente cardíaco e que precisava de ser operado, quis terminar este filme, onde, para além de protagonista, era também argumentista. Mais tarde, o realizador Michael Radford confessaria que Troisi, depois de filmar uma cena, necessitava sempre de purificar os pulmões com oxigénio, devido ao seu problema cardíaco. Uma coisa é certa, a sua memória fica perpetuada nesta personagem, que, apesar de ser muito simples, é incomparável.

A surpresa foi, por isso, nenhuma, quando percebi o êxito que alcançou este filme na altura (década de 90), tendo estado em exibição nas salas portuguesas durante cerca de um ano. Foi nomeado para os Óscares de Melhor Filme, Realizador e Melhor Banda Sonora Dramática, vencendo apenas este último.

Na época, Rodrigues da Silva escrevia da seguinte forma para o Jornal de Letras, Artes e Ideias: “a metáfora do cinema é hoje para muitos a história deste carteiro, herói anónimo e sem mácula, cuja vida se sobrepõe à celebridade de um poeta nobelizado. Não será por acaso que numa segunda-feira destas, à saída do que me apetece chamar (à antiga) de uma matinée, duas senhoras de uma certa idade diziam, uma para a outra, de O Carteiro de Pablo Neruda: ‘Isto sim é um filme’.”

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