+1 202 555 0180

Have a question, comment, or concern? Our dedicated team of experts is ready to hear and assist you. Reach us through our social media, phone, or live chat.

Mãos cheias de Frio, Fome e Nada

Deixei o trabalho para trás, mais cedo do que habitual. Chovia e apesar de amar chuva, tinha decidido viajar de autocarro até ao meu destino. Entrei, sentei-me, folheei um livro e viajei. A paragem chegava e eu descia.

Já com os dois pés no chão, consegui vê-la: farta em cabelos brancos envoltos por um lenço e um gorro. Tinha vários casacos vestidos. Calças a tapar as pernas e nos pés umas meias encharcadas acompanhadas duns chinelos ensopados.

A cara, livre de frio, mas mais inundada que os pés e as poças de água da estrada. As mãos famintas (re)mexiam o caixote do lixo em frente a uma frutaria. Ninguém se aproximou. Com certeza que a vergonha de quem passava de cabeça baixa era maior que a da senhora que tentava matar a fome.

Ao lado, um café estava aberto. Parei e atirei as mãos aos bolsos. Senti moedas e avancei. Toquei-lhe no ombro. “Vamos comer alguma coisa quente para aquecer?”

Recusou, dizendo que o dinheiro faz muita falta. Remexeu no caixote do lixo. Que valente murro no estômago me deu.

Insisti. Apresentei-me e permiti-me escutá-la. Era a senhora dona Isabel, cheia de frio, fome e nada. A muito custo, deixando o orgulho naquele caixote de lixo onde sujou as mãos, rumou comigo ao café.

Comeu, aqueceu-se, falou-me dos animais de rua que tenta alimentar. “As pessoas deitam muita comida fora, sabe menina? Se não der para mim o que encontro, pode dar para eles que não chegam ao lixo.”

Contou-me ainda que tem onde morar, mas são ar e vento o que mais come.

Enquanto alimentou o estômago, escutei tudo o que me disse. Paguei com um plástico rectangular, deixei-lhe todas as moedas que tinha e um cachecol seco e quente.

Agradeceu repetidas vezes com uma gratidão imensa. “Deus a abençoe menina. Abençoe muito. E muitas felicidades para si.”

Segui o meu caminho à chuva e agradeci-lhe ainda me ser possível escolher entre pão e arroz em vez de ar e vento.

Share this article
Shareable URL
Prev Post

Banda Desenhada sobre tudo, para todos

Next Post

O gato

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Read next

Debaixo de algum céu

Debaixo de algum céu ganhou o prémio Leya 2012. E eu consigo perceber porquê. É, acima de tudo, um livro mesmo…

Porta para o céu

Vi pela primeira vez o portão para o céu quando olhei pela janela do meu quarto, logo depois de acordar. Tive de…