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Letras no feminino: Judite Teixeira

Se não é fácil singrar num mundo masculino e fazer perdurar a produção literária – basta pegar numa história da literatura e contar o número de autores femininos – quem da lei da morte se vai libertando – a tarefa é ainda mais hercúlea para quem, durante a vida, foi alvo de perseguições e a sua obra votada propositadamente ao esquecimento. Foi o que aconteceu a Judite Teixeira, desconhecida do grande público.

Nascida em Viseu, em 25 de Janeiro de 1880, tendo sido baptizada, poucos dias depois, na Sé daquela cidade. De seus pais sabe-se apenas o nome da mãe, Maria do Carmo. Somente com 27 anos, já residindo em Lisboa, no bairro de Campolide, na Rua do Arco do Carvalhão, é que foi perfilhada pelo alferes de Infantaria Francisco dos Reis Ramos, passando a usar estes dois apelidos.

Pouco tempo depois, casou com um empregado do comércio, Jaime Levy Anzacot (1876-?). O casamento não durou muito. Acusada de adultério e de ter abandonado o lar, o casamento foi dissolvido a 8 de Março de 1913. Pouco mais de um ano após este acontecimento, a 22 de Abril de 1914, no Bussaco, Judite casou com o advogado e industrial Álvaro Virgílio de Franco Teixeira (1888-?), descendente dos primeiros Viscondes de Seabra, sendo a noiva mais velha 8 anos que o noivo.

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A publicação da sua obra literária data a partir de 1918, sob o pseudónimo Lena de Valois, na imprensa periódica, como o Jornal da Tarde, quer sob a forma poética, quer de contos. Na década seguinte, começaria a publicar sob o seu nome, após uma entrevista na Ilustração Portuguesa, publicada em Janeiro de 1922, que desvenda a mulher por detrás do pseudónimo. Ainda no ano de 1922, publica alguns poemas na revista literária Contemporânea, considerada por alguns críticos como o elo de ligação entre o primeiro e o segundo modernismo português, consubstanciados nas revistas Orpheu e Presença.

No ano seguinte, edita dois livros de poesia: Decadência e Castelo de Sombras, o primeiro dos quais a envolveu em grande polémica e provocou a hostilização da sua obra. Editado em Fevereiro, no mês seguinte Decadência era apreendido pelas autoridades, juntamente com outros livros, da autoria de António Botto (1897-1957) e Raúl Leal (1886-1964) e mandados queimar pelo Governo Civil de Lisboa, qual censório auto de fé. A acção fora liderada pela Liga de Acção dos Estudantes de Lisboa, que conservadoramente se insurgiram contra a literatura imoral, nomeadamente pelos conteúdos homossexuais dos poemas contidos naquelas obras, femininos no caso de Judite, masculinos no caso de António Botto e Raúl Leal. Poucos meses depois, em Junho, edita Castelo de Sombras e, no final do ano, edita novamente Decadência.

Durante o ano de 1925, funda a revista Europa, de que se conhecem três números. Aí são publicados autores como Aquilino Ribeiro (1885-1963), Florbela Espanca (1894-1930) e reproduzidas obras dos artistas plásticos Mário Eloy (1900-1951) e Almada Negreiros (1893-1970).

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Novo livro surge em 1926 – Nua, também de poesia. A edição desta obra suscita nova polémica. Foi considerada como “uma das vergonhas sexuais e literárias” e os poemas em si umas “versalhadas ignóbeis” pelo jornal Revolução Nacional e a própria Judite Teixeira uma “desavergonhada”, na opinião de Marcelo Caetano (1906-1980), no jornal que então dirigia, Ordem Nova. Nesse mesmo ano, proferia uma Conferência, em sua defesa e da sua poesia, intitulada De Mim. Pouco tempo depois publicou Satânia, um livro de contos e aquela que seria a sua última obra publicada. Após essa data, apenas alguns poemas na imprensa periódica.

Na verdade, embora Aquilino Ribeiro a tenha considerado, logo em 1923, como uma “poetisa de valor”, por ocasião da publicação do seu terceiro livro de poemas, José Régio (1901-1969) afirmaria que “todos os livros de Judith Teixeira não valem uma canção escolhida de António Botto“. O que poderá ter contribuído para o afastamento da poetisa da actividade literária continuada e, inclusive, de Portugal.

Dez anos volvidos e provavelmente quando Judite já se encontrava de novo em Portugal, João Gaspar Simões (1903-1987) elogiaria a sua audácia, embora a considerasse sem talento. Efeito, ou não dessa crítica, são conhecidos dois textos seus no Suplemento Literário do Diário de Lisboa no ano seguinte.

Pouco ou nada se sabe a partir dessa data até a 17 de Maio de 1959, altura em que morre, em Lisboa, viúva e sem filhos. Seriam precisos quase vinte anos para que a sua obra começasse a ser reabilitada, através da acção do poeta e crítico António Manuel Couto Viana (1923-2010), que a considera “a única poetisa modernista”.

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