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Jantam porquê?

Ninguém alguma vez reparou como é estranho o facto de que raramente se percebe o porquê de palavras mais ou menos loucas disparadas menos de um segundo antes de nos arrependermos de as proferir. Até pode haver justificações plausíveis ou meramente mal instruídas, mas nunca chegamos de facto a conhecê-las em tempo útil. Sendo que de utilidade nada isso acarreta. Claro que a exibição de quatro garrafas de vinho dispostas na bancada ali perto da mesa eram a imagem de uma tentativa de justificação, um espelho do que acontecia com intensidade. Intensidade essa que crescia à medida que desaparecia o líquido da quinta garrafa.

Como qualquer jantar, aquele começou com efusivas demonstrações de genuína amizade. Ninguém se desenganava ali como ninguém se deve desenganar nas suas amizades. Aquela em volta daquela mesa eram mesmo reais e eram até um motivo por aquele jantar acontecer. Amigos que se reuniam sem terem que procurar um qualquer motivo num manual de instruções de acontecimentos sociais de humanos. Juntavam-se apenas pelo prazer de se juntarem. A mesa estava apelativa, bem composta com iguarias assinaláveis, preparadas com aquela receita inigualável de amadorismo coadjuvado com mestria. Tudo estava saboroso e todos se deliciavam paulatinamente, devagar à lenta velocidade do álcool que já se fazia sentir e que todos animava.

E entre conversas e risos, goles e dentadas, olhares e cumplicidades, eis que surgiram as vozes a querem sobreporem-se umas às outras. Por momentos calavam-se mas apenas no tempo estritamente necessário para se beber mais um gole de vinho. Não se podia dar tempo ao outro, tal era dar vantagem naquela discussão, qualquer que fosse. Trocaram-se argumentos sobre o Trump e a Hillary, sobre a Merkel e o Obama, o Costa e o Silva, o Luís Filipe e o José Nuno e o Bruno. O vermelho contra o verde, o alto contra o baixo, o grande contra o pequeno, o escuro contra o claro, Marte contra Vénus, Baco ou Dionísio, Neptuno ou Poseídon, Stark ou Targaryen.

Discutiu-se sobre tudo porque com um copo a mais faz-se isso com os amigos. E no meio de tanta discorrência, salta sempre ao ouvido próximo um insulto mais contundente prontamente devolvido com outro ainda mais sujo, ou uma qualquer patetice que todos leva ao riso. E em cada gargalhada cada um se vê a olhar para os outros e juntos se recordam porque estão ali: porque há amizades que são raras e devem ser celebradas sempre que possível, por motivo nenhum.

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Joy

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