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“Imagine there´s no Olympus” – Agnosticismo e Ateísmo no Período Greco-Romano

(…) nem tu nem os teus amigos foram os primeiros a tomarem essa opinião sobre os deuses. É verdade que, em maior ou menor número, surgem sempre pessoas que sofrem desta doença. Mas tendo eu conhecido muitas destas pessoas, digo-te que nenhum jovem que tomou essa posição – a de que os deuses não existem – acabou por a manter até à sua velhice. (…)

Leis, de Platão

Ateísmo é usualmente definido como a descrença na existência do divino e do sobrenatural. Agnosticismo é definido como a posição de que é impossível chegar a uma conclusão definitiva sobre a existência ou a não-existência do divino e do sobrenatural.

Estas posições são usualmente consideradas como criações recentes, como um produto do Iluminismo Europeu (séculos XVIII e XIX), mas centenas de anos antes de Cristo, já vários indivíduos tinham exposto posições agnósticas e até mesmo ateístas em relação ao “mundo dos deuses”.

Os filósofos pré-socráticos (séculos VI e V a.C.) tiveram entre os primeiros pensadores que tentaram explicar fenómenos naturais sem intervenção sobrenatural ou divina – esta primeira tentativa histórica de aplicar o método científico poderá ser considerado como um primeiro passo para a construção de uma visão ateísta do Universo. Entre estes, o filósofo Anaxágoras (510 – 425 a.C.) foi julgado e expulso de Atenas pelas autoridades da cidade por defender explicações científicas para fenómenos meteorológicos e cosmológicos, algo que as mesmas autoridades consideraram serem um acto de impiedade perante os deuses do Panteão Grego – o primeiro exemplo histórico conhecido da perseguição e condenação de um indivíduo por “heresia”. Hippo de Samos (f. século V a.C.), um pré-socrático do qual não temos escritos originais, é o primeiro indivíduo da História a ser acusado de ser ateu (atheos), de acordo com as afirmações de Clemente de Alexandria e de Simplício de Cilícia. O facto de Aristóteles acusar Hippo de ser um fraco pensador que confiava em demasia numa visão totalmente materialista do mundo poderá dar alguma credibilidade a esta acusação. No entanto, é preciso ter em consideração que esta acusação de atheos (ateu) deve ser por vezes separada de qualquer ateísmo convicto: o famoso filósofo Sócrates sofreu dessa mesma acusação (que contribuiu para a sua morte em 399 a.C.), no entanto, este sempre a negou e disse manter a sua fé nos deuses.

Os sofistas, Diágoras de Melo e Teodoro de Cirena

Os séculos V e IV a.C. representam a “Idade de Ouro” da filosofia grega, tendo vivido nesta época os mais reconhecidos filósofos da Antiguidade: Sócrates, Platão e Aristóteles. Mas para além destes, outros pensadores pouco conhecidos divagaram no milieu cultural da Grécia Antiga – estes eram os sofistas, homens sábios pagos pelas famílias ricas da Grécia Antiga para educarem os seus filhos. Entre estes sofistas estavam Protágoras (490 – 415 a.C.) e Pródico de Ceos (450 a.C. – ?), indivíduos também acusados de ateísmo no seu tempo e na posteridade. Protágoras, por tomar uma posição agnóstica em relação ao divino – ao proclamar não saber se os deuses existiam ou não -, foi expulso da cidade de Atenas onde trabalhava como educador e as suas obras foram queimadas em praça pública (de acordo com o biografo Diógenes Laércio). Se esta posição de Protágoras poderá ser facilmente considerada de agnóstica, no entanto, o professor de estudos clássicos Tim Whitmarsh defende que através do seu pensamento relativista – conhecido pela sua famosa frase “O Homem é a medida de todas as coisas” – é possível chegar à conclusão de que a posição real de Protágoras era a de que deuses não tinham uma existência objectiva, mas de que os deuses eram nada mais do que invenções humanas, diferentes de civilização para civilização (isto apesar das suas obras não terem chegado até nós).

Pródico de Ceos escreveu que a religião emergiu de uma sensação de gratidão por determinados indivíduos benfeitores, que mais tarde passaram a ser adorados como divindades. Apesar de tal opinião ser a prova de que Pródico era um ateu (algo do qual foi acusado por autores posteriores), não existem quaisquer escritos de que o sofista rejeitava as práticas religiosas de adoração dos deuses. É preciso notar que no Mundo Greco-Romano (que cobre um longo período desde o Século VI a.C. até ao Século V d.C) indivíduos críticos das práticas do culto religioso eram igualmente acusados de “ateísmo”, pois era do interesse das instituições governamentais suprimir qualquer dúvida sobre a existência do mundo divino, de modo a manter a ordem social vigente.

Entre os séculos IV e III a.C, outro indivíduo acusado de ateísmo na Antiguidade foi Teodoro de Cirena (antiga colónia grega, localizada na actual Líbia), que terá escrito uma obra onde atacou os deuses e as práticas religiosas (obra titulada “Sobre os deuses”). O biografo de filósofos da Antiguidade, Diógenes Laércio, diz sobre Teodoro que este “rejeitara todas as opiniões em relação aos deuses”. Por acusação de impiedade, foi expulso da sua terra natal e de Atenas, acabando por se estabelecer no Egipto Ptolemaico, retornando mais tarde a Cirena sobre a protecção de um novo rei dessa mesma cidade. Apesar de ser considerado um membro da “Escola Cirenaica” – filósofos hedonistas que proclamavam o prazer como o bem supremo da vida -, o facto de ter sido aluno de filósofos das várias perspectivas filosóficas demonstra que o seu pensamento terá sido mais ecléctico.

O ateísmo de Teodoro também é duvidoso: Diógenes Laércio cita histórias sobre Teodoro com posições contraditórias em relação ao divino, ambas contra ou a favor da existência dos deuses. Tal como Anaxágoras, Sócrates e Diágoras de Melo, Teodoro poderá ter sido acusado de impiedade pelas autoridades e por autores posteriores pela sua crítica às práticas religiosas da sua época, ao mesmo tempo que possivelmente não rejeitava totalmente a existência dos deuses. Para as autoridades da Grécia Antiga, o simples desdém pelo culto religioso era motivos suficiente para alguém ser acusado de ser atheos.

Epicuro (341 – 270 a.C.) – que deu o nome à doutrina filosófica do Epicurismo– encontra-se entre os mais influentes filósofos da Antiguidade. A principal doutrina do Epicurismo consiste em atingir ataraxia e aponia – a ausência do medo e da dor, o que demonstra uma influência dos filósofos da “Escola Cirenaica” sob a doutrina de Epicurismo (tendo a última eventualmente substituído a primeira).

Em relação ao mundo dos deuses, a posição de Epicuro foi inovadora: Epicuro afirmava que os deuses existiam, mas que estes estavam desinteressados nas questões do mundo dos homens e que não tinham qualquer envolvimento nos fenómenos naturais. Epicuro era neste sentido um seguidor da teoria atomista de Demócrito (o “Pai da Ciência”) e da tradição naturalista pré-socrática. Além do desinteresse e pelo não-envolvimento no mundo dos homens, Epicuro afirmava que os deuses, devido à sua perfeição, nunca estiveram presentes na terra (rejeitava assim a mitologia tradicional que descrevia o envolvimento dos deuses no passado histórico) e que habitavam em outros zonas do cosmos. Estudiosos ainda debatem como pode ser descrita a posição de Epicuro: o facto de lhe ser atribuído o Paradoxo de Epicuro – onde este rejeita a providência divina – levou muitos ateus a considerá-lo como um dos seus: Epicuro terá sido, em coração, um ateu, mas não poderia exprimir abertamente essa opinião sem sofrer as consequências.

No entanto, este paradoxo não rejeita em princípio a existência do divino, mas rejeita simplesmente a sua influência sobre o mundo humano – esta posição é consistente com a visão dos epicuristas sobre os deuses. Não é possível descrever Epicuro como um deísta, pois este nunca atribuiu a criação do Universo a um deus-criador, mas ausente das questões do mundo humano. A descrição dos deuses da parte de Epicuro é similar ao que hoje descreveríamos como seres extraterrestres: a palavra “extraterrestre” não existia na época em que Epicuro viveu, mas o facto do filósofo descrever os deuses como habitantes do cosmos demonstra que a sua teoria sobre os deuses terá sido um dos antecedentes históricos da actual exobiologia. Se o ateísmo de Epicuro é um motivo para debate, a posição crítica que foi sua em relação à religião organizada não o é, tal como este a exprimiu em cartas da sua autoria que nos chegaram até hoje.

O Período Romano

O ano 146 a.C. marcaria o fim da independência dos vários estados da Grécia Antiga, com a conquista definitiva do Reino da Macedónia e com a derrota da Liga Aqueia por parte das legiões da República Romana. Desde a sua fundação, Roma fora influenciada em vários aspectos pela Grécia Clássica (cuja influência se espalhou por todo o Mediterrâneo através de várias colónias gregas), e a filosofia não foi excepção.

A consequente burocratização e centralização do poder durante o período do Imperial facilitou a repressão e supressão de posições e movimentos opositores à ordem social vigente. A acusação de ateísmo acabaria por cair sob os seguidores da doutrina do Epicurismo, o que levaria à sua marginalização perante as doutrinas dos Estoicos e os Neoplatónicos: o poeta e epicurista romano Lucrécio (99 – 55 a.c) sofreu posteriormente tal acusação; durante este período, na língua hebraica a palavra epikoros tornou-se um sinónimo de ateu, e o nome de Epicuro começou a aparecer em catálogos com nomes de pensadores ateus. Outros que seriam acusados de ateísmo por parte das autoridades imperiais seriam os seguidores da nova religião cristã que se encontrava em crescimento por todo o Império, pelo motivo dos cristãos recusarem prestar culto aos deuses do Panteão Romano. Apologistas cristãos entrariam no mesmo jogo, ao acusarem os pagãos de ateísmo por não acreditarem em Deus e em Jesus de Nazaré como seu filho (acusação que também caiu sobre as heresias cristãs das doutrinas dos gnósticos e do arianismo).

Ironicamente, as mesmas figuras da Antiguidade que tinham sido acusadas de ateísmo no passado acabariam por ser defendidas por apologistas cristãos durante este período: Justino Martir (100 – 165) declarou que Sócrates fora um “cristão” antes de Cristo, por supostamente ter rejeitado os antigos deuses por um Deus-único; Clemente de Alexandria (150 – 215) afirmara que Hippo de Samos, Diágoras de Melo e Teodoro de Cirena foram indivíduos que tiveram uma vida casta e virtuosa (ou seja, equivalente a uma vida cristã), e que se havia alguém que era merecedor da acusação de ateísmo, seriam os politeístas pagãos que os condenaram.

A eventual cristianização do Império Romano – concluída em 395 d.C pelo Imperador Teodósio – levou a um declínio do pensamento filosófico e qualquer referência a personagens históricas acusadas de ateísmo desapareceu durante vários séculos.

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