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Hocus Pokus!

O conceito de aprendiz de feiticeiro é giro. Gireza à parte, o poeta alemão Johann von Goethe escreveu uma obra – infelizmente não a li – que seria depois adaptada ao cinema pela Disney, em 1940. Em português, o filme designa-se por Fantasia. Quanto a mim, o momento mais elevado do filme é quando o feiticeiro tem de sair do seu laboratório e pede ao Rato Mickey que tome conta da oficina e, sobretudo, não mexa em nada. A palavra “não” é uma chatice e parece ser contra-natura. Obviamente…

Mickey desobedece ao mestre e acaba a “fazer cocó”. Cria uma incontrolável inundação. Sem causar dor no peito, esta parte cria-me ansiedade e riso… bem diz a minha mulher que tenho uma idade mental inferior ao miúdo cá de casa, que tem sete anos.

Como teve sete realizadores (informação da muito falível Wikipédia), não sei qual deles dirigiu esta parte. A verdade é que a escolha musical realça o momento, na perfeição. Todo o filme é acompanhado por obras de compositores consagrados – música clássica não é uma chatice – sendo aqui de Paul Dukas, especificamente a “Aprendiz de Feiticeiro”.

Não sei se aconteceu com todos, mas numa fase da infância quis ser cientista e misturar líquidos coloridos e fumegantes. Ofereceram-me um livro fantástico, O Pequeno Mago da Ciência, que anda por aí algures, com várias versões seguras para crianças.

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Bem… porquê isto? Porque pode ser divertido ser enólogo amador. Andava sem saber o que oferecer à minha mulher e atrasei-me – facto importante, porque não damos presentes, mas proporcionamos momentos, e porque teve influência no resultado.

– Vou criar um vinho para lhe oferecer.

Devo dizer que nunca pensei no trabalhão que deu, mas valeu bem a pena.

Como não tenho uma vinha, nem uma adega com vinho guardado em depósitos de inox, ou em barricas de carvalho, tive de me desenrascar comprando monocastas. Pensei ligar a enólogos amigos, que têm grande variedade de castas e material fiável, mas o campo fica longe… nunca daria, com o tempo disponível.

Como não sou rico, nem enólogo, comprei garrafas até cinco euros, preferencialmente abaixo. Não consegui todas do mesmo produtor, facilitaria por terem o mesmo perfil técnico, nem do mesmo ano, pois não havia, nem da mesma região, por razões idênticas.

De brancos escolhi: encruzado, chardonnay, arinto, loureiro e alvarinho. Nos tintos, as escolhas foram touriga nacional, touriga franca, alicante bouschet e syrah. Comprei ainda tinta roriz (aragonês, no Sul) e sousão (vinhão, no Minho), mas só estragavam. Infelizmente, não consegui viognier – que tem uma piada privada –, cabernet sauvignon e pinot noir.

A Ana completou o ano numa segunda-feira e esteve ausente desde quinta-feira. Tive tempo, o vinho é que não – já explico.

A ideia do vinho caiu-me como a moedinha nas máquinas de jogos na quarta-feira à noite. No dia seguinte de manhã, enfrentei a tarefa das escolhas. Esqueci-me de almoçar, de jantar, deitei-me de madrugada, continuei na sexta-feira e conclui no sábado.

Muni-me dum jarro com escala com medidas, comum nas cozinhas, de vários copos para prova, recipientes vários, sendo um deles para cuspideira – se assim não fosse acabaria por fazer só vinhos geniais, hics! Queria fazer um palheto, que resulta da junção de vinhos tinto e branco. Muita gente pensa que é assim que se fazem os rosés, mas não é. Apesar de ter cerca de 60% de vinho branco, “a coisa” calhou tinta, devido, sobretudo, aos tintos serem potentes de cor.

Não estive só a fazer o vinho, também a desenhar o rótulo, obrigando idas a lojas de impressão de autocolantes, etc. O que deu mais trabalho foi arrancar os rótulos. Deixei garrafas em água quente, que foi arrefecendo durante a noite. No dia seguinte, alguns continuavam a resistir… cansei as costas, aleijei os dedos.

A tarefa de rolhar também teve que ser especial. Como não iria comprar uma palete de rolhas à Corticeira Amorim, nem as manhosas que se vendem nas drogarias, recorri ao rolhinhas da reciclagem – não foi fácil, muitos gargalos Cinderela e Yeti. Rolhas usadas têm buraco, entra ar e o vinho oxida-se. A solução é simples: lacre. É barato, vende-se em muitas papelarias, veda bem e dá estilo. Queimei-me na *#@$## do isqueiro umas 500 vezes.

Apesar do muito vinho comprado – esperava fazer sete garrafas, enchi cinco –, demasiado para presente. Realçando sempre que a “obra de arte” era para a minha grande mulher, dei a amigos e servi-o um numa jantar chez Vascô.

– É uma *#@$##!

– Eu até gosto.

A maioria disse que não era nem bom, nem mau, mas esquisito.

Esquisito porquê? Explica-se pela falta de tempo. O vinho gosta de sossego e pede descanso. Há um período chamado de “doença da garrafa”, que é imediatamente após o enchimento. É um protesto ensonado, o vinho não está estragado, apenas rabugento. Convém repouso de, pelo menos, um mês. No jantar de chez mon ami Vascô, o vinho estava engarrafado apenas há umas horas. Quando abri a garrafa da aniversariante já se notavam diferenças positivas.

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Como uma criança excitada, mandei um e-mail a enólogos amigos. Um deles respondeu de imediato:

– Que grande salganhada! Não me arranjas uma garrafa?

Independentemente da qualidade final, criar um vinho só nosso – embora com base em trabalho já realizado – é divertido. Família e amigos, à volta duma mesa, podem até fazer um concurso.

Ela adorou e o néctar, sofrível ao péssimo, divertiu e sei que ficará na memória.

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