Qual a melhor bebida para comemorar? Gin, ou whisky? Qual a melhor bebida para afogar a tristeza? Gin, ou whisky? A resposta será dada muito em breve.
Dia 18 de Setembro de 2014 será um dos dias mais longos da História da Escócia. A questão colocada nos boletins de voto é simples: «Concorda que a Escócia seja um país independente». Em 2011, nas legislativas, votaram 2.465.722 pessoas. As autoridades reportam um elevado interesse, que se traduz em cerca de 15.000 inscrições. Na verdade, o referendo já começou, em 15 de Agosto, quando 680.235 eleitores exerceram o seu direito, através de correspondência. A idade mínima para votar é de 16 anos.
O primeiro-ministro Tony Blair (2 de Maio de 1997 a 27 de Junho de 2007) e o primeiro-ministro Gordon Brown (27 de Junho de 2007 a 11 de Maio de 2011), ambos escoceses e do Partido Trabalhista, tentaram agarrar a Escócia, concedendo-lhe autonomia. Foi no mandato de Tony Blair que se reconstituiu o Parlamento da Escócia, em 1999.
Deixando para depois a política, pensemos nas bebidas das celebrações: o típico gin inglês, que não tem origem em Inglaterra, e o típico whisky escocês, que não foi criado no país. Um aspecto curioso é que o gin nunca foi adoptado pelos escoceses, por causa do fabrico do outro destilado.
O quente scotch
Pedir um whisky é quase como pedir um scotch (na Irlanda escreve-se whiskey). Para usar a palavra scotch, o whisky tem de estagiar, no mínimo, três anos em barricas de carvalho. Nem todos os whiskies são iguais, apresentando-se com três designações: single rain, single malt, blended malt e blended. O primeiro é obtido a partir de grãos de aveia, centeio, milho, ou de trigo. O segundo é obtido a partir de cevada maltada e fabricado numa única destilaria. O terceiro modo resulta da junção whiskys maltados de diferentes destilarias. Já o blended resulta de mistura de diferentes tipos.
Tal como acontece com o vinho, ou produtos alimentares, o whisky escocês tem regiões demarcadas: Campbell, Islay, Highland (inclui a sub-região não reconhecida das Islands), Lowland e Speyside (outrora parte das Highlands). É desta última que provêm os mais reconhecidos whiskies e também onde existe maior concentração de destilarias, cerca de 50, num total de 105 a funcionar na Escócia. Em lado nenhum do mundo existe concentração semelhante.
A água é um elemento fundamental, quer no fabrico, quer no consumo. As destilarias costumam ter nascente própria, cuja água é muitas vezes engarrafada e vendida, para que o whisky seja cortado por líquido da mesma fonte. O acto de deitar um pouco de água permite realçar o aroma e o sabor deste destilado.
O whisky é cerveja destilada. No geral, o scotch faz-se a partir de cevada, sendo que muitos produtores utilizam grãos maltados – a maltagem consiste em fazer germinar precocemente os grãos do cereal, transformando o amido em açúcar.
A discussão parece eterna, mas só ocorre por teimosia, ou por algo que se aproxima do conceito de fé. Onde foi fabricado o primeiro whisky? Irlandeses e escoceses disputam a primazia.
A descoberta da destilação ocorreu no século XV, tendo chegado às ilhas britânicas rapidamente. Os álcoois tinham uma função médica, nomeadamente como anestesia. Na Escócia, a guilda com a tutela era a dos barbeiros, dentistas e cirurgiões. É provável que a descoberta tivesse ocorrido num mosteiro e daí passado à sociedade. O primeiro registo de destilação nas ilhas britânicas data de 1405 e relaciona-se com a morte dum terratenente, por intoxicação por aguardente (aqua vitae, ou aqua vita – termos antigos e genéricos).
A primeira referência à Escócia data de 1494, um registo da ordem do rei Jorge VI, para o envio de malte para frei John Cor, destinado à fabricação de aguardente. Em viagens que efectuei a Speyside, os responsáveis das destilarias têm hoje como adquirido que a invenção aconteceu na Irlanda, podendo ser irlandês o frade John Cor.
Por mera curiosidade, os célticos escotos – nome do povo em português – não eram originários da Escócia, embora lhe tenham dado o nome. Os «verdadeiros» escoceses eram os pictos, termo dado pelos romanos, devido aos guerreiros se apresentarem pintados. O azul forte era o tom dominante e perdura na bandeira do país com a Cruz de Santo André, o padroeiro da nação.
O fresco gin
Os historiadores e os curiosos costumam relacionar a chegada do gin à Grã-Bretanha com a de Guilherme, príncipe de Orange, para reinar, em 1688. Protestante, derrubou o último monarca católico do país, Jaime II. Já antes, Guilherme travara batalhas com o católico rei francês Luís XIV. Por isso, os portos da Grã-Bretanha fecharam-se aos vinhos e destilados franceses. Do continente europeu, os seus soldados e marinheiros levaram o gin.
A bebida foi criada nos Países Baixos – que à época englobavam a Bélgica, Luxemburgo e partes de França – e designava-se jeneverbes, em neerlandês. Para Portugal passou como genebra, mas o termo nada tem a ver com a cidade helvética homónima. A palavra deriva das bagas de zimbro, Juniperus communis, que se encontra por toda a Europa. Com calma, alguma ponderação e atenção à fonética percebe-se a evolução da palavra latina para as diferentes línguas. Em inglês antigo era genever, em italiano ginepro e em Portugal pronunciou-se zinebra. A má pronunciação popular modulou as sílabas e nasceu o vocábulo gin.
O gin era a bebida dos pobres ingleses, nomeadamente dos londrinos. O sucesso como consolador de almas derivou num problema alarmante de saúde pública e de política, pois o período coincidiu com sublevações e distúrbios, traduziam tensões sociais.
O governo decretou diversas medidas punitivas, que culminaram no Gin Act, em 1751. A legislação obrigou os destiladores a terem licença, assim como os comerciantes. Ao mesmo tempo, as taxas aplicadas a este destilado foram aumentadas. Muitas pequenas tabernas e destilarias tiveram de fechar, ou de subir os preços, dificultando o consumo generalizado e barato.
O facto de se chamar London Dry, London Gin, ou London Dry Gin parece situar a origem na capital inglesa. Porém, trata-se dum género, pelo que pode ser fabricado em qualquer parte do mundo.
O London Dry Gin é a versão mais comum da bebida. Este destilado tem um teor máximo de metanol de cinco gramas por hectolitro de 100% de álcool por volume. No mínimo, tem de ter um volume de 70 graus de álcool e um máximo de 0,1 gramas de açúcar por litro. Além dos elementos botânicos que podem ser adicionados na destilação, apenas água se lhe pode juntar no final. O termo «seco» é, tal como no vinho, resultante da sensação de secura sentida pelas papilas gustativas.
Quanto custa o prazer?
A guerra de valores entre o gin e o whisky é como uma corrida entre o menino Fernandinho num carrinho de rolamentos e o Fernando Alonso num Fórmula 1. A garrafa do gin mais cara é holandesa – Nolet’s Reserve. A preços de Maio, vale 910 euros. A botelha de scotch Isabella’s Islay tem um valor entre 7,8 milhões de euros e 8,060 milhões de euros, de acordo com dados de www.therichest.com e www.bornrich.com. Mais caros do que o Nolet’s Reserve há rum, cerveja, tequilha, vodka, conhaque, vinho e até um licor.
Excluindo este whisky de preço estratosférico, várias publicações indicam o whisky The Macallan 64 Year Old in Lalique como valendo 598 euros. Num top 10 criado com várias fontes, em décimo lugar figura o Chivas Regal Royal Salute 50 Years Old, com um preço de 13.000 euros.
O gin não tem outra carta de trunfo. A segunda referência, em termos de valor, é o Bombay Sapphire em garrafa desenhada pela casa de joalharia Baccarat and Garrard. A brincadeira fica por 155 euros.
Se o whisky vence em dinheiro, em imaginação ganha o gin. Esta bebida – muitas vezes acusada de ser o chá das velhas inglesas – é a que dá origem ao maior número de cocktails. A combinação mais famosa é precisamente feita com gin: gin tónico. Nascida há dois ou três anos no Reino Unido e adoptada por Espanha, há a moda dos clubes de gin tónico, que dispõem de diferentes marcas do destilado, como de água tónica, mas a onda inunda a Europa e até chegou timidamente a Portugal. O gin fizz (com sumo de limão) é outro dos clássicos dos balcões dos bares.
Estranheza pela diferença de valor entre o whisky e o gin? A história é velha.
A razão mais central da diferença de valores é a do envelhecimento. O destilado de zimbro (gin) corre directamente do(s) alambique(s) e vai a engarrafar. É uma bebida fresca, onde se encontram perfumes de vários «botânicos» – ingredientes vegetais que temperam o álcool.
Já o whisky obriga a maior número de procedimentos, sobretudo se for de cevada maltada – molhada e deixada a germinar e depois fumada, sendo a turfa o ingrediente mais importante e nobre que se coloca a arder mansinho para fumegar.
Depois há que ter em conta o envelhecimento. O mais plebeu dos scotch tem de esperar três anos em barricas, o que implica empate de capital, instalações de armazenamento e mais mão-de-obra. Quanto mais tempo passa nos recipientes de madeira, maiores são os ganhos organolépticos. No entanto, o correr do tempo bebe o whisky. Há empresas que reportam uma volatilização anual de 2% a 5% na Escócia. Os escoceses designam o «fenómeno» como o quinhão dos anjos: «Angel’s share». Perder quantidade obriga a trabalhos constantes de transvases, pois se as barricas ficarem com área vaga, maior será a volatilização.
Sobre estes considerandos pode somar-se, em alguns casos, opções especiais de loteamento – no whisky não há enólogos, mas master blenders (mestres loteadores, à letra). Um caso conhecido é o da Balvenie, que tenta surpreender os seus devotos apreciadores, através dum estágio final, nunca superior a três meses, em barricas que serviram outras bebidas. De Portugal já seguiram barricas usadas para Vinho do Porto e Vinho da Madeira.
Em 2013, foi apresentado o Beefeater’s Burrough’s Reserve, um gin que estagiou um curto período em barricas de carvalho que serviram o aperitivo vínico de Bordéus (só em anos especiais) Jaen de Lillet. A tonalidade é ligeiríssima, mas a madeira retirou-lhe bastante frescura. Um purista poderá dizer que gin e estágio em madeira são um contra-senso.
A mais antiga destilaria de whisky da Escócia situa-se em Perthshire, nas Highlands. A The Glenturret foi estabelecida em 1775. Porém, a The Bowmore – situada em Suntory, região de Islay – afirma ser anterior, embora indique como data o ano de 1779.
O apuramento da antiguidade não é fácil, visto os registos terem sido criados em 1823, para que o governo pudesse controlar a produção, ou seja, cobrar impostos. Após essa data, várias destilarias foram encerradas.
A maior destilaria de whisky da Escócia é a Tomantin, sediada em Inverness, nas Highlands. A mais pequena tem apenas três pessoas a trabalhar: a Edradour, estabelecida em Pitlorchry, também nas Terras Altas. No gin, a destilaria mais antiga é Plymouth Gin Distillery e situa-se na cidade inglesa com o mesmo nome, no Sudoeste de Inglaterra. Foi fundada em 1793 e encontra-se num antigo mosteiro de frades dominicanos.
Um outro factor a ter em mente, quando se pensa nestes dois destilados, é o prestígio, um factor subjectivo e que se traduz de forma bem materializada. Na Escócia, pobres e nobres bebiam whisky e chegava à Casa Real, em Londres. Já o gin é plebeu de nascença. Basta ter em conta que o whisky é avaliado por parâmetros que o colocam como riqueza regional – denominações de origem. Enquanto o gin é cidadão do mundo. O London Dry não é originário da capital inglesa, mas um estilo de gin.
História dum casamento
Este reino histórico da Europa fundiu-se formalmente com a Inglaterra, em 1707, após a ratificação, por parte dos parlamentos de Londres (1706) e de Edimburgo (1707), o Acto de União – que se tornou efectivo em 1 de Maio desse ano. No entanto, já antes os dois Estados estavam ligados, através dum sistema de coroa dual, um modelo que também foi seguido, quando, em Portugal, se extinguiu a dinastia de Avis e tomou posse a Filipina (Habsburgo). Esse enlace deu-se com Jaime VI da Escócia, que foi o primeiro com esse nome a reinar em Inglaterra. Foi este monarca o último soberano escocês a nascer no país
Líderes britânicos, de diferentes partidos, têm rumado ao Norte da Grã-Bretanha para convencer os escoceses a optar pelo «Não», mas as simpatias pelo «Sim» têm vindo a aumentar. Amanhã saber-se-á se Isabel II vai poder continuar a vestir-se, ou aquecer-se com roupa com o padrão real. Designa-se por Royal Stewart Tartan, derivado da dinastia escocesa dos Stewart, e é exclusivo da Casa Real.
Os tartans são os padrões de tecido em xadrez e expressam um clã, um conceito alargado de família com um só apelido. No caso dos Stewart, há duas versões: a real e a comum, mas não necessariamente plebeia, pois o conceito de clã ultrapassa a posição social. A roupinha é caríssima e os homens não usam nada sob o kilt, a saia.
(continua…)