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Doutores e Engenheiros da Mula Tuga

É incontornável que entrámos naquilo que chamamos a silly season, uma época onde se fala de tudo o que não tem importância e ainda se extrapola sobre coisa alguma. Entre a crise no Grupo Espírito Santo, que vamos deixar para mais tarde, porque ainda a procissão vai no adro, e os devaneios surrealistas de Francisco Louçã, com a sua ideia que, com certeza irá inspirar muitos portugueses a dirigirem-se aos seus bancos, exigindo a reestruturação dos seus empréstimos, através da baixa dos juros e do assumir pelas próprias instituições dos prejuízos, algo perfeitamente normal, há uma notícia ainda da semana passada que, a meu ver, tem algo de muito interessante.

Para as bandas do norte do nosso país, um concelho chamado Torre de Moncorvo fez aquilo que em Portugal é inédito. Apoiando-se nos princípios da remota Revolução Francesa, aboliu das sessões da autarquia os títulos académicos. Acabaram-se os “senhor doutor” e os “senhor engenheiro” para cá e para lá, como se a vida fosse um palco numa peça de teatro daquelas profundamente dramáticas e expressivas.

Uma das coisas que sempre me deu a volta ao estômago foi, quando, sem qualquer razão, alguém decide gastar um suposto título (quando não o inventa, mesmo) numa simples conversa telefónica para apresentar um produto, ou para saber como estamos. Há pessoas que parecem mesmo, de cada vez que dizem “o doutor isto”, ou “o doutro aquilo”, subjugar-se, quase que pedindo clemência perante uma sumidade qualquer que está à sua frente. Portugal dá valor a estas coisinhas de dignificação de uma qualquer hierarquia, em que ser doutor, ou engenheiro parece algo superior a ser o Sr. António, ou a D.ª Maria, ou até mesmo o António, ou a Maria. Contudo, isto é algo muito enraizado na nossa cultura, muito bem expresso em romances e em filmes, mas é apenas mais uma máscara que nós gostamos de usar. O uso declarado destes títulos, para além duma enorme falta de humildade por parte de quem as usa como se fosse um nome, demonstra também, na maior parte das vezes, uma falta de segurança na sua própria personalidade, ou nas suas capacidades, tendo de recorrer a subterfúgios materiais e simbólicos para se colocarem em bicos de pés e dizerem: não me podes tocar.

Atitudes como a de Torre de Moncorvo, defendo, deveriam ser espalhadas por todo o país, por todas as circunstâncias, nivelando o tratamento ao que é realmente importante, o respeito. Não é o facto de ser o tal doutor, ou o engenheiro que faz com que a pessoa seja mais digna de respeito, ou a torna mais competente, mas sim o simples facto de estarmos entre pessoas já exige essa circunstância. Quando nivelamos isto, não estamos a subir uns e a descer os outros, estamos simplesmente a demonstrar que somos todos iguais perante a lei e perante a sociedade.

A cultura de um povo influencia (e é influenciada) o que se passa na sua sociedade, na sua economia, na sua justiça e em tantas outras áreas, e este pequeno exemplo de nos tratarmos por doutores e engenheiros é o reflexo de uma sociedade que, muitas vezes, vive de hierarquias e aparências. Basta vermos as estruturas das nossas empresas e dos organismos públicos, com organogramas cheios de níveis hierárquicos, onde, em cada caixinha, encontramos os títulos, demarcando bem quem está acima e quem está abaixo. A hierarquia não define a importância, define a responsabilidade, e isso é algo que deveríamos mais ter em conta. Talvez, dessa forma, fôssemos um país menos de bancarrotas e apoios externos e mais de produtividade, desenvolvimento e felicidade.

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