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Cinzas

Levantas-te da cama que não é tua, numa vida que não reconheces. Afastas as cobertas, esperando que liberte os pesadelos e pesadelos e pesadelos que parecem lá ter abrigo todas as noites.

O gris da madrugada entra pelas frestas dos estores.

Dás pontapés nas cinzas do quotidiano. Nunca tinhas percebido quão frágil podia ser, como ardia tão rápido e o pó voava entre os dedos para tão longe no espaço e no tempo. Até se tornar uma estranha irrealidade de que te lembras com tanta força que magoa, mas que parece que não foi mais do que uma ilusão.

Nesses dias de saudade desolada só é possível chorar por dentro.

***

Hoje os passos pareceram mais seguros.

Ao acordar, as lágrimas ficaram presas na garganta, impedidas de chegar aos olhos secos. O vazio era outra história, era nova companhia omnipresente. Haverá de chegar o dia em que o coração não estará pesado, em que conseguirás levantar-te sem sentir o desequilíbrio daquela parte gigante que falta, sem te convenceres de que os seus pedaços partidos e espalhados nunca poderão ser substituídos.

Hoje pensas que há possibilidade de serem colados. Num futuro condicional. Eventualmente. Um por um e muito devagar, com muito jeitinho, para não os rachar ainda mais. Um dia. Talvez.

A esperança. A esperança que é também capaz de matar.

***

Há abraços que te salvam de ti própria por minutos tão breves que te agarras a eles durante dias. E dúvidas que te esburacam como a rajada de uma metralhadora, deixando-te quase transparente e oca de ti e de tudo o que poderias vir a conter.

O desespero por vezes volta para arrancar mais um pouco de pele. O peito dói tanto que o resto dos teus cacos (agarrados apenas por um fio) te caem aos pés, para debaixo de móveis, e ficam inalcançáveis. Derrotada. Cansada. Os olhos fechados porque tudo está desfocado. O sol bate, só que o frio vive-te nos ossos.

Mas um dia o frio derreterá e levará os pesadelos com ele. Um dia também eles serão cremados – pó, como as seguranças a que nos agarramos e que nos ardem nas mãos se não estivermos atentos. Um dia voltarás a sentir-te na tua vida. E a ter uma cama tua.

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