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Banhos de lua em pernas alvas

Uma das minhas consistentes memórias da infância é o momento em que largava as collants grossas e coloridas do inverno, e calçava as meias curtas, na altura brancas e rendadas, com pequenos punhos. Normalmente isto ocorria por altura da Páscoa, e recordo-me de saborear o fresco nas pernas, que terminavam num sapato preto de presilha. Associadas vêm as recordações dos campos floridos, das amêndoas pastel, da caça aos ovos, e dos baloiços.

Não me lembro de alguma vez ter adiado essa etapa pelo pudor de revelar as minhas pernas brancas. Quando digo brancas, é mesmo brancas, daquelas que parecem de um dono diferente do dos braços ou rosto. Como alguém humoristicamente disse um dia, quem me dera que os meus dentes fossem tão brancos como as minhas pernas.

Vem isto a propósito da insegurança que temos face ao nosso corpo. Muitas vezes são situações que só o próprio considera imperfeitas, e que aos olhos dos outros são apenas uma característica, sem juízo de valor. Quantas mulheres conhecemos que não usam saia porque acham que têm pernas feias, ou blusas de determinado corte porque lhes acentua ou neutraliza o peito, ou não usam sandálias porque não gostam dos seus pés? No caso dos homens é menos restritivo, por uma questão cultural, mas é cada vez mais frequente o cuidado com a aparência, e eventualmente até escolhem uma camisa ou pólo que lhes disfarce a barriga.

Depois da opressão da imagem, da imposição de modelos altos, magros, muitas vezes andróginos, existe uma reacção, por parte de algumas marcas de roupa, mas também de beleza, no sentido de promover a aceitação dos corpos reais. A maioria das pessoas, não se revê nos manequins, e a diversidade humana é tanta, em termos de estatura, rosto, cabelo, que é necessário considerar a multiplicidade de diferentes belezas. Partindo do monopólio da imagem, partimos para o conceito de aceitação das próprias características, na exultação da beleza individual, procurando em cada um a sua própria graça.

Obviamente estamos condicionados ao nosso ADN, e há detalhes que não poderemos alterar, como a altura, por exemplo. Podemos emagrecer, engordar, cortar o cabelo desta ou daquela forma, usar cremes, maquilhagem. Podemos sempre melhorar o que há em nós, desde que isso não comprometa a nossa sanidade mental, na tentativa inglória de alcançar o inalcançável. A aceitação de si próprio, a procura do melhor de si próprio, é legitima e incentivada, sem, contudo, perder a essência ou anular as nossas características de unicidade.

Às vezes, mea culpa, olho para certas pessoas e penso como tiveram a ousadia de se vestir desta ou daquela forma que tão pouco as favorece. Essas pessoas são aquelas que, sendo gordas, usam riscas horizontais, ou sendo pequenas têm cabelo pelo meio das costas, ou se apertam num cinto que lhes marca as gordurinhas em volta da cintura. Todavia, envergonhada, reconheço que elas é que estão certas. Vestem-se como lhes dá prazer e ignoram o que os outros pensam delas.

Às vezes as pessoas mais perfeitas, conforme as medidas, mais de acordo com a beleza em vigor, não são as mais apelativas. Frequentemente verificamos que pessoas dotadas duma normalidade estética, são aquelas que são foco de atracção, pela sua personalidade cativante ou por um forte sentimento empático, o que revela quão insignificante se podem tornar certos detalhes físicos.

Este ano soltei as pernas, encandeei meio mundo pela sua alvura. Decidi que vou vestir mais vestidos. Procuro apanhar um sólinho quando é possível, mas deixei-me de sonhos irrealistas de bronzeamento, que no máximo dura 2 semanas. Nem sequer tentei aplicar auto-bronzeador na complexa distribuição uniforme sem manchar, ou sem parecer que estou a alaranjar. Não quero nem saber o que pensam. Saboreio o fresco, como na infância.

Ajeito-me na cadeira da esplanada, retiro-me do sol que já me queima as pernas, e penso que não há nada mais atractivo do que alguém confiante de si. Seja alto, baixo, gordo ou magro, orelhas pontiagudas ou pernas de leite:  auto-estima é tudo.

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Comments 2
  1. Amei, Sandra! ❤️
    Tão eu, complexa com a gordura, a altura que não chegou à minha pessoa. O cabelo fino, a pele branca, sem falar das pernas, quase translúcidas. O pêlo do buço, sem make up, unhas curtas isentas de um pingo de cor. Ténis e marmita, saco, sacola, passe ao peito e livro em punho. Sorriso fácil, coração enorme, mas ancorada à subjugação de uma sociedade made in bela e magra. Parabéns pelo texto 💖

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