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As Pombas Púrpuras

O milagre da vida é extraordinário! Da junção de um óvulo e de um espermatozóide resulta um novo ser. Nada mais simples. Ao fim de 9 meses, está pronto para ver a luz, para conhecer o mundo onde irá viver. Viver, porque é disto que se trata. Todos querem viver mesmo sem ainda saberem o que isso é. É instintivo. Ainda nos restam os instintos naturais, de sobrevivência e de continuidade da espécie. Estão mais refreados, depois de séculos de experiência e podem adquirir outros nomes, mas é o assegurar duma vida que se quer de qualidade e longa.

Nascer e morrer. É certo, mas pode ser muito injusto. O início e o fim. Para muitos é só um grão de poeira no universo, um átomo minúsculo que passa despercebido, para outros é uma existência que altera tudo para muitos. São os legados, aquilo que fica, a marca indelével, a memória, a história que se escreveu. No dia em que este artigo está a ser escrito, o universo continua o seu pulsar contínuo e é um dia como outro qualquer. No entanto, se olharmos melhor, não o será, porque dois acontecimentos opostos irão marcar a data para memória futura: os 90 anos da rainha Isabel II e a morte de Prince.

E, sem darmos por isso, voltámos à questão inicial. Comemorar 90 anos é qualquer coisa de extraordinário, sobretudo, se tivermos a lucidez e a saúde que esta monarca tem. É o reinado mais longo de que há memória, conheceu todos os presidentes, os primeiros-ministros, os ministros, individualidades de relevo que se possa imaginar. Inabalável no seu posto. Assistiu a vários acontecimentos históricos de que poucos se poderão orgulhar mantendo sempre o seu perfil neutro. Viveu todos os escândalos, os divórcios reais, as infidelidades, as separações, as mortes na sua família, nunca perdendo a sua fleuma característica. É de louvar esta mulher e a sua firmeza sem vergar nem vacilar, sobretudo, se tivermos em conta que não nasceu para ser herdeira de um trono. Era sobrinha de um rei, o que lhe permitia uma certa liberdade, dentro da nobreza europeia. Bem cedo foi chamada a uma realidade para a qual não havia sido preparada. O único apontamento colorido terá sido o casamento com Philip, por amor, segundo consta, um nobre grego, com quem partilha a vida até aos dias de hoje. Tem executado o seu papel com diplomacia e coerência, dando mostras de uma grande inteligência e capacidade de superação das dificuldades. Não deixa de ser uma mulher com uma enorme responsabilidade mundial, uma mãe, uma tia, uma avó, uma bisavó, uma amante de cães, mas, acima de tudo, uma rainha.

O outro lado não será, de todo, tão alegre, porque se reporta a uma morte. É alguém que desaparece e, neste caso, é alguém muito especial, alguém que mudou o mundo musical, alguém tão irreverente que ninguém lhe ficava indiferente. É o Prince. A ironia é que ele não foi príncipe, foi um rei, em todas os seus sentidos e com todas as implicações que esse título permite. A sua figura era muito atraente, apesar de não ser o protótipo de homem bonito. Sabia produzir-se, chamar a atenção, magnetizar os corações e os ouvidos. A sua música era dançante e vibrante. Do alto do seu 1.60 m dominou o mundo. Os seus súbditos veneraram-no e irão continuar a fazê-lo. Ousou e conquistou. As roupas, aquilo que chama logo a atenção, fizerem o que se chama escola e conseguiu uma enorme legião de fãs e seguidores. O cabelo, rebelde tal como ele, nunca se mantinha do mesmo modo. Técnicas de marketing bem estruturadas e conseguidas. A voz, veludo, cetim, aquilo que lhe quisermos chamar, entrava no ouvido, na alma e levava o corpo a vibrar, a responder ao estímulo recebido. Ele era assim.

As suas canções, letra e música, são duma beleza extraordinária e intemporal. Acabou por se livrar da lei da morte e passou à eternidade. Se existe a ideia de céu como recompensa para aqueles que praticam boas acções, então, ele é um merecedor e estará, certamente ao lado de David Bowie, a preparar um álbum de músicas divinais que poderemos ouvir nos sonhos, quando dormimos. Os títulos emblemáticos das suas obras também se relacionam com a sua vida privada, cheia de mistérios e infelicidades. Os mistérios dão tonalidade a uma entidade que se inicia no firmamento da fama, faz parte, deve ser assim. As infelicidades nem tanto, mas a realidade não pode ser torneada e é vivida, é real. Era um mulherengo incorrigível. As suas relações eram quase sempre polémicas, era um ditador com a sua banda, o que a levou a atingir os píncaros, vaidoso q.b. e com tiques de vedeta. Estava no seu direito. Não dava entrevistas a ninguém que fosse mais alto do que ele. Coisas.

Usava saltos tão altos nas actuações que teve que intervencionar as ancas e mudá-las mais do que uma vez. Ossos do ofício, com toda a propriedade. Sabe-se que teve um filho com problemas gravíssimos, falecendo prematuramente, e que foi um tempo de grande sofrimento. Afastou-se e chorou a sua dor, durante um tempo demorado, para os fãs, mas curto, para quem viveu uma perda tão grandiosa. Do seu reportório é difícil escolher os melhores temas. Todos são muito bons, emblemáticos, tocantes e cheios de qualidade. Legou-nos expressões únicas como “purple rain“, uma cor que nunca seria associada ao nome e que agora faz todo o sentido. O seu tema “Nothing Compares to You” magistralmente interpretado por Sinnead O`Connor, ganhou um lugar de destaque no painel da genialidade. Sim, nada se compara a ele, nem à interpretação que ela fez desta melodia. Será injusto não referir outros temas como “The Most Beautiful Girl“, “Cream“, “Kiss“, “When the Dove Cries” e “Sometimes it Snows in April“. É assim que nos sentimos, cheios de frio, de neve, num tempo errado, órfãos e desamparados. Não deve nevar em Abril, as raparigas por quem nos apaixonamos (ou os rapazes) são sempre as mais bonitas e as pombas são símbolos de paz, de liberdade, de pureza, de felicidade.

Choramos pela sua pomba que irá continuar a voar nas nossa vidas, por aquele que nos permitiu uma chuva colorida que nos sabe beijar, como nenhuma outra, que nos ensinou a ver a beleza de tudo, com um tom musical, de guitarra, tocada com alma, com amor e que nos ensinou que, às vezes, também ficamos tristes em Abril, numa Primavera que tarda e não chega, porque as pombas choram, mas não morrem.

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