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Aquele cobarde

É, de facto, aquilo que considero – que sempre considerei – mesmo antes de ser mãe, que nunca deveria ser possível vivenciar. A mãe que perde o filho. A mãe que o gera e que depois tem “de o entregar à terra”.

Gelo, só de pensar! Permito-me escrever – é desumano! – ainda que a palavra seja forte, mas neste contexto não a considero como tal.

Em cada um de nós existe a ideia de que o bebé nasce, cresce, os pais criam, o tempo passa – muitas vezes rápido demais – e quando damos por ela, o bebé é agora um adolescente e dali a nada um adulto. Completamente autónomo e que segue as pisadas normais da vida. Os pais envelhecem e acompanham todo este crescimento, daquele que um dia foi o bebé de colo dependente deles para tudo. Parece-me que todos temos esta “linha” assim definida, ainda que nem sempre estejamos a pensar nisso de forma consciente.

Contudo, a realidade é que nem sempre é assim. Esta “linha” da vida tem o seu percurso próprio e, muitas vezes, a nossa ficha cai e aí percebemos a importância do que parece ser um cliché nos dias de hoje – mas que é a mais pura das verdades – aproveitar cada momento.

Nesta “linha” da vida, muitas são as mães que querem os seus filhos no regaço e que não podem ter. Todo o enxoval, toda a expectativa criada, no nada.

O vazio que lhes fica. A culpa que as deverá assolar em determinados momentos. As dúvidas, a revolta, o medo e a dor. A dor de quem nada pode fazer. A dor de assistir – e vivenciar – o momento mais difícil que qualquer mulher pode passar. A revolta da impotência.

Gerar um filho é gerar uma vida. É gerar, também, aquilo que queremos para ele. O melhor da vida. Gerar um filho é senti-lo, é passar com ele todos os milésimos de segundo até ao dia do seu nascimento. Gerar um filho é, grande parte das vezes, pensarmos nele antes de pensarmos em nós. Gerar um filho é desejar-lhe vida, saúde e um caminho cheio de felicidade. Gerar um filho é gerar uma nova vida familiar, uma nova rotina, novas prioridades, novas expectativas, preocupações e novas decisões. Gerar um filho é transcender-nos. Gerar um filho são novas emoções e sensações que cada mulher vive à sua maneira, mas que é realmente uma mudança. Uma mudança que se quer acompanhar, sentir e vivenciar.

No entanto, um aborto espontâneo não pede licença. Um aborto espontâneo não é educado e diz que está a chegar e que vai destruir tudo o resto. Um aborto espontâneo vem no silêncio e estraga. Um aborto espontâneo é como ele próprio se define – espontâneo. Não há como contornar. Vem, faz os estragos e sai. Sai sem pedir desculpa, sai sem explicar, sai somente porque sim, porque lhe apetece. Sai e não limpa nenhum estrago. Sai pela porta dos fundos, como um cobarde e indiferente.

Depois fica a mulher. Com tudo o que ele causou. Depois fica a mulher, que precisa de força, de conforto, de consolo. Depois fica a mulher, que tem que se permitir aceitar o que aconteceu e seguir em frente. Depois fica a mulher, com todos os medos, as dúvidas e as inseguranças. Depois fica a mulher com a mantinha do enxoval, mas sem o filho para aconchegar. Depois fica a mulher que precisa do seu tempo, espaço, todo o respeito e consideração – do filho e de tudo o resto que não conseguiu gerar. Depois fica a mulher que tem que se perdoar, a ela e ao cobarde.

Nenhuma mulher deveria passar por isto! Não deveria, nunca, isto ser permitido. Mas é. E é esta “linha” da vida a mostrar-se autónoma e a deixar qualquer um de nós a relembrar que muitas vezes, não controlamos nada. É a dura realidade de ter de aceitar e saber lidar, da melhor forma possível, com o que aconteceu.

Acredito que nada acontece por acaso, mas acredito também, que este acaso nada deveria tirar, muito menos, sem pedir licença. Tirar à mulher, que queria ser mãe, mas que fica só mulher. Mas que acredita que se assim não aconteceu, ainda acontecerá!

Tenho muito respeito e consideração, acho que temos todos, pela mulher que se ergue depois disto. Porque, acredito, ser das maiores dores do mundo. A mãe que perde o filho.

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Comments 2
  1. Infelizmente sei o que é….mas neste caso, sou o Pai.
    Algo que jamais será esquecido, onde a dor não desaparece, só acalma…… Mal volta e meia está cá para lembrar que temos força para erguer, mas não esquecer.

    1. Tenho imenso respeito por essa dor. E, efetivamente, é uma outra perspetiva deste “intruso” que destrói. O lado de quem é pai, que vivencia tudo. Fico grata pela sua partilha e espero que a dor fique apaziguada porque como disse é “algo que jamais será esquecido”.

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