+1 202 555 0180

Have a question, comment, or concern? Our dedicated team of experts is ready to hear and assist you. Reach us through our social media, phone, or live chat.

A minha mente fugiu

A minha mente fugiu-me. Fugiu-me de novo. Tenho de a puxar de volta, com cuidado e muito devagarinho, os meus esforços são fios de uma camisola a desfazer-se.

Pronto, aqui está ela em mim.

É um vício que tem, esta minha mente. Procura pensamentos inconsequentes nos cantos mais escuros de mim. Gosta de viver com eles na miséria, de se demorar neles. Gosta de dar voltas com eles como numa atracção de feira – uma feira abandonada de filme de terror. E eu ali, completamente submissa a essas memórias que quero esconder até dela, principalmente dela.

Suspiro, entre a rendição e a ansiedade. Peço-lhe que sossegue. Obrigo-a com músicas, livros, passeios. Ela acaba por fingir acalmar e deixa-se abraçar até voltarmos a uma sintonia falsa, um silêncio desconfortável, em que desconfiamos uma da outra. Ela não deixa de murmurar baixinho. Eu ignoro.

A mente foge-me tantas vezes para esses retalhos perdidos de alma! Mas eu acredito nas suas boas intenções. Acredito que queira abrir gavetas para as limpar, que queira tocar nas feridas para as curar, que queira puxar o escuro para me mostrar que, à luz, não é nada de especial. Mas é. Mas é e por isso só me tortura, só empurra os vidros partidos para ainda mais dentro da carne. Talvez eu não esteja preparada para ela me arrastar para esses cantos esquecidos. Há pazes que fazemos com alguns monstros, por vezes com os piores, mas há depois pequenos pedaços de sombras que não conseguimos enfrentar. Ou que não temos forças para voltar a fazê-lo. Talvez depois. Talvez daqui a pouco.

A minha mente quer já. Quer resolver já e deixar-me leve para sempre. Tem de ter calma, tem de aprender a ser paciente por mim. Não a controlo, ela faz o que quer. Não sei porque é que ela continua a fugir para a dor, quando eu a tento convencer tantas vezes a ficar na alegria. A procurar os pequenos contentamentos, a vivê-los, a demorar-se neles. Puxo-a, prendo-a à felicidade, ponho-a de castigo nas cores e no bonito, mas é quando mais depressa ela me foge.

Gosto tanto ou tão pouco de mim, para estar nesta dicotomia constante?

Não, espera, não voltes a fugir! Olha que bonito – o sabor do café com leite ao ler um livro, aquela memória dos amigos numa noite de conversa quente, o entrelaçar das mãos com ele em qualquer lado, em todo o lado. Os abraços e os saltos e os pequenos prazeres, descobertas, vitórias. Espera, mente! Olha como podemos ser felizes, olha como podes passear entre as memórias arejadas, sentir o conforto do sol e as gargalhadas à chuva. Deixa as recordações escondidas saírem quando se sentirem prontas. Deixa-me ter tempo de encontrar palavras para o que em mim não tem nome. Deixa-me ser eu a procurá-las, quando tiver braços suficientes para as abraçar.

Share this article
Shareable URL
Prev Post

A Insegurança Social

Next Post

A nossa essência

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Read next

O Livro que eu não li

O título – Um Pouco Mais de Azul – era chamativo. Pertencia à colecção que durante a adolescência e início de…

Diva dos tempos modernos

Adele. A diva. A incomparável. A mulher que tem “a” voz. A mulher que conquistou o mundo. A mulher que fez mais…

Mustang

Há filmes que não servem para descontrair, mas sim o seu oposto, para pensar. Este é exactamente para isso, para…