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A ideia proibida

O dia era hoje. Um comprimido para a ansiedade e passos rápidos de quem tem horas para chegar. Fones colocados à pressa e o mundo fica num silêncio seco de quem tem algodão nos ouvidos ou está debaixo de água. Um silêncio parcial, seco e mate. Não ligo a música, deixo só o silêncio. Talvez cheire a Inverno, a lenha a queimar no frio. Pessoas que empurram com medo de quebrar a rotina, esse fio pequenino e ridículo que conduz vidas. Apertões e claustrofobia mas na janela está o mar. Ignorar a raiva das pessoas a empurrar, a chocar, a olhar.

Empurrões, correria. Correm para apanhar os mesmos transportes que apanham aqueles que andam devagar. Enganam-se a si próprios, mas não ao tempo.

Pessoas pequeninas com mochilas enormes que sorriem satisfeitas ou que fazem birras, agarradas à perna do pai. Pessoas diferentes, peculiares, próprias. Não existe perfeição, nem certo, nem errado, só pessoas. Para onde irão? O que será que as faz felizes? As luzes do metro fazem mal aos olhos, eles pesam e ardem, vejo tudo desfocado. Quando consigo um lugar decido que nunca mais me vou levantar dali. Nunca. Um arrepio de satisfação proibida. O comprimido que não parece fazer efeito, penso que o problema é que chego sempre um bocadinho tarde demais – tarde demais aos significados, aos amigos, aos sonhos, ao mundo. Uma diferença minúscula que poderia ter feito toda a diferença. Tempo. Como que vindo do nada, acordei dez anos depois num nome que não reconheço quando vejo escrito, um nome que sempre foi o meu mas que não me parece pertencer mais.

As paragens sucedem-se, conheço-as de cor. Fecho os olhos por momentos. Não quero pensar porque já estou com calores, com lágrimas, com dificuldade em respirar. Mas tomei o comprimido. Não dura muito. Volto a respirar, mas sempre de olhos fechados. Não posso voltar a pensar mais. No altifalante oiço o nome da paragem onde deveria sair. É a próxima. Conheço as curvas. Um nó na garganta e a ideia proibida a voltar outra vez.

O dia é hoje.

Imagino praias quentes e lareiras na neve, campos frescos e cidades ricas, cheias de luz e de sorrisos. Imagino a liberdade de não seguir o que a vida é e mudá-la para aquilo que deveria ser. Não. Mudá-la para a liberdade de descobrir exactamente o que deveria ser. Nó na garganta e arrepios de felicidade. Tudo ou nada. Imagino continuar sentada e perder-me num coma consciente, espalhar o rumor da minha morte, do meu acidente, e fugir. Mas levanto-me. Deixar para trás tudo e fugir. Levanto-me antes do metro parar, à espera que as portas abram, mas na realidade não sei se vou conseguir mexer-me quando elas se abrirem.

E se eu não sair? E se eu não sair e só continuar?

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