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A crise de que todos falam

Abalou quase todas as estruturas financeiras do mundo. Revelou fraquezas em países e instituições. Ofereceu temas de conversa inesgotáveis para os economistas, impingiu preocupações aos leigos nesta matéria. A crise, sempre a crise. Esse nome que a minha geração ouve desde que tem idade para fazer contas à vida, essa praga que causou (e ainda causa) danos irreparáveis no bolso e na vida das pessoas. Dos americanos aos europeus, dos portugueses aos alemães. Todos sofreram, uns mais do que outros, os efeitos de uma das maiores epidemias do mundo contemporâneo nestes últimos quinze anos. O mundo mudou, o sistema deveria acompanhá-lo nessa mudança, mas a memória parece ser demasiado curta para evitar a repetição de erros cometidos já neste milénio.

Teve origem nos Estados Unidos da América…

Não é preciso avançar muito na história do século século XXI para se mergulhar em tempos difíceis do ponto de vista económico e financeiro. O que é certo é que a memória já nos falha e a recorrente falta de contextualização da maioria dos meios de comunicação social não nos facilita a tarefa de localizar o rastilho que despoletou parte da crise. O processo iniciou-se com o colapso da bolha do sector imobiliário nos Estados Unidos da América, especificamente no mercado de alto risco. O crédito hipotecário de alto risco (denominado de sub-prime) é um tipo de empréstimo que facilita o acesso à habitação por aqueles que não têm as garantias necessárias para serem aceites por um crédito normal (denominado de prime). O que se passou a seguir foi um caso de falhanço de prospeção de mercado, conjugado com irresponsabilidade financeira de quem assume que o mercado não muda quando, na verdade, está em constante transmutação. De acordo com dados da Fundação Robert Schuman, no ano de 2006 o empréstimo de alto risco representava cerca de 10% do mercado de crédito hipotecário americano. A lógica do sub-prime – contar antecipadamente com o aumento de preços dos imóveis para limitar riscos e proteger-se na possibilidade de revender a um preço mais elevado em casos de incumprimento – foi traída pela explosão da bolha imobiliária. Ainda com dados da mesma Fundação, podemos aferir que o incumprimento de pagamento dos créditos aumentou, entre 2006 e 2008, cerca de 9%, um número muito alto que impossibilitou a absorção de prejuízos e se traduziu na falta de rentabilidade do sector.

… mas como é que um sector tão especifico contagia todo o sistema financeiro?

Em parte, pela titularização. Parece um palavrão mas é de acessível desconstrução. Trata-se de uma operação financeira que permite partilhar riscos, isto é, integra conjuntos de empréstimos num único produto dividido em valores imobiliários de níveis de risco variáveis, desde os mais elevados aos mais baixos. Por consequência, o risco de incumprimento é partilhado entre muitos credores, tornando-se numa forma eficaz de controlar incumprimentos isolados. No entanto, a crise do crédito hipotecário de alto risco acarretou incumprimentos maciços num curto espaço de tempo fazendo com que a titularização alastrasse o risco para todo o sistema financeiro. A falta de transparência deste tipo de operações torna mais difícil avaliar a exposição a activos tóxicos. No entanto, a principal configuração de contágio foi o decrescimento da oferta de crédito e as principais prejudicadas foram as PME’s por dependerem mais dele em comparação com as grandes empresas com mais fontes de financiamento. O declínio da procura e a contracção do comércio internacional foram as sentenças finais para a queda das exportações atingir números que rondaram os 12% no fim da primeira década do século.

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A resposta é que quando a crise é muita, os ricos desconfiam…

A propagação da crise teve como principais protagonistas os mesmos que a iniciaram: os bancos. O clima de desconfiança bancária fez com que o mercado interbancário congelasse, obrigando-os a vender activos bons por preços mais baixos já que a oferta disparou e todos tentaram sobreviver com a mesma estratégia. Resultado? O término da liquidez, a depreciação do capital e a falência iminente de muitas instituições financeiras. Como exemplo europeu do supracitado existe a nacionalização em 2008 do Northern Rock, o maior banco de crédito hipotecário do Reino Unido. Assim, com relativa facilidade proveniente das fragilidades do capitalismo e da procura imoderada por lucros, passamos de uma crise localizada para uma crise global, falávamos dos Estados Unidos e já nos encontramos em território europeu. Entre esta ordem cronológica, naturalmente muito mais se passou, em muitos mais países e em muitas mais realidades interligadas pela ditadura do dinheiro.

…e os irmãos ficam falidos.

Lehman Brothers. Bear Sterns. Fannie Mae. Freddie Mac. Todas têm algo em comum, são instituições financeiras e todas faliram ou estiveram à beira de quebrar. No entanto, o banco de investimento Lehman Brothers possui uma disparidade: não foi salvo pelo Governo americano, caiu, os irmãos deixaram de partilhar os laços do dinheiro. O mau hábito da intervenção e salvação de bancos com dinheiro dos contribuintes fez com que esta decisão escalasse para um clima de pânico no mercado financeiro em todo o mundo. Tanto nos Estados Unidos, como na Europa, várias instituições de carácter transnacional foram resgatadas e bancos de investimento foram transformados em bancos comerciais.

As más opções e a desigualdades que contribuíram…

Esta crise acarreta várias características, todas elas com elementos tão profundos que se torna inexequível discuti-los num só artigo. Assim sendo, destaco duas, aquelas que mais têm prejudicado o desenvolvimento de estruturas como a União Europeia: as deficiências do sector bancário e as desigualdades. Ao longo destes últimos quinze anos, tem subsistido a ideia de que existe um dilema. O dilema entre o resgate bancário garantido – facilitando a despenalização de irresponsabilidades, de incompetências, de corrupções – e o risco de destabilizar o sistema financeiro devido à falência de instituições importantes. Um dilema entre as pessoas e as grandes riquezas, entre as famílias e os sistemas financeiros, entre a vida e a ganância capitalista. Onde está a escolha? Existe mesmo uma escolha ponderada? E que escolha é esta?

O aumento das desigualdades causa e fomenta a crise que temos experimentado, aquela que toda a gente fala. Percorreu-se o caminho da austeridade um pouco por toda a Europa sem grandes resultados, poucas coisas melhoraram, muitas ficaram iguais, algumas ficaram piores. Nós não vivemos acima das nossas possibilidades, mas nós queremos viver. O ser humano não mudou com esta crise, esta crise é que tem de mudar com o ser humano, com novas propostas e novas ideias que nos façam sair deste regime cíclico que nos leva sempre aos mesmos lugares, sempre à recessão, sempre à austeridade, sempre à contingência e ao desânimo. Para promover o crescimento é preciso promover o pleno emprego, a redução de impostos e o estabelecimento de instituições públicas que garantam o crédito em termos razoáveis e responsáveis.

…para a primeira recessão global desde a Segunda Guerra Mundial.

Foi entre 2008 e 2009 que a economia real começou a ser afectada. Isto é, o PIB mundial baixou 0,6% o que se traduz na primeira recessão à escala mundial desde a Segunda Guerra Mundial. Nem todos os países mudaram da mesma maneira, mas todos eles foram afectados. O PIB da União Europeia desceu mais do que 4%, a taxa de desemprego passou de pouco mais de 6% para 10% em apenas dois anos. Nos Estados Unidos o desemprego foi ainda mais dramático, tendo passado de 5,8% para 9,7% entre 2008 e 2010. Quem perdeu com todas estas ramificações foram as pessoas, o desespero de não ter emprego instalou-se, a falta de optimismo na economia e na política tornou-se num hábito ainda mais vincado do que antes destes quinze longos anos. Quem ganhou com isto? Os regimes extremistas que até então estavam adormecidos. A Frente Nacional em França e o Partido da Liberdade na Holanda são dois dos maiores exemplos de ideologias ultrapassadas e perigosas que agora têm assento no Parlamento Europeu e que ganharam a simpatia de muitos cidadãos dos respectivos países. A memória… sempre a memória… sempre em crise também.

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E em Portugal…

Todos falam é certo. Todos sabem que ela existe. Todos estão fartos. Da crise, do BES, do Banif. As falências do desabamento do sistema financeiro, os crimes governativos contra os interesses do Estado e do país. Tudo isto podia ser um resumo mais ou menos poético do que se tem passado ultimamente por cá. Mas, infelizmente, a crise é mais profunda, até porque é estrutural. O IVA aumentou de 21% para 23%, os impostos sobre o rendimento dos contribuintes aumentaram, os projectos de investimentos públicos foram adiados e algumas privatizações aconteceram sem serem esclarecidas. E, claro, o congelamento dos salários dos funcionários públicos. Estamos a enumerar algumas propostas que falharam na resposta à crise, que continuam a falhar por se insistir tantas vezes nos mesmos erros. Teremos de aprender muito para sair de uma espiral recessiva em que estamos mergulhados desde 2000, teremos de aprender mais para valorizar os nossos produtos num comércio internacional onde a concorrência, tanto a leste da Europa, como na Ásia, nos tem ultrapassado sem olhar para trás.

…o que se segue?

Os próximos quinze anos estão repletos de desafios e ninguém os consegue antecipar com objectividade. Alguns serão novos, mas outros tantos serão os mesmos problemas de um passado mal resolvido. A sensação de ir dormir sem saber que Mundo e que Europa encontrarei amanhã é assustadora, a presunção de quem nos governa estar constantemente à deriva também. Somos indivíduos de um século e milénio jovem, ingénuo e sem memória. Mas, mais importante do que isso,­ somos responsáveis pela realidade que alguém vai ler, em algum meio, em algum lugar, sobre os primeiros quinze anos do século XXII. Responsabilidade. É esta a palavra e o conceito que, enquanto não estiver em crise, me permite acreditar.

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